sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Cristianismo em linha reta

Qualquer um admitiria de pronto que a arrogância e a mania de grandeza é algo que devemos abominar com todas as forças de nossa alma; que detratar os outros é feio; que não devemos "passar por cima" das pessoas; e que devemos sempre respeitar os espaços e as limitações (físicas, intelectuais e "espirituais") de cada um. Contudo, na maioria das vezes nossas ações conflitam flagrantemente com nosso discurso: assumimos uma postura arrogante para com os mais limitados e depois usamos de uma mea culpa "politicamente correta" para camuflar nossos intentos - mea culpa esta que, no fim das contas, servirá apenas de cal para embranquecer ainda mais as paredes dos nossos imponentes - embora podres - mausoléus.

Abaixo segue o Poema em linha reta, do Fernando Pessoa, para que meditemos na necessidade daquilo que eu chamaria de um Cristianismo em linha reta (a cada um caberá a contextualização mais pertinente).

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Sem mais comentários.

Soli Deo Gloria!



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1 comentários:

Marcos Sampaio disse...

Caro Leonardo,

Parabéns pelo seu trabalho na web. Deus continue abençoando!

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