sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Micro-entrevista com João Calvino (1 Co 13.10)

- Calvino, em 1 Coríntios 13.10 Paulo diz que "quando vier o que é perfeito, o que é em parte será aniquilado". Em sua opinião, quando virá essa perfeição?
- Em verdade, ela começa na morte, quando nos despirmos das inúmeras fraquezas juntamente com o corpo; ela, porém, não será plenamente estabelecida até que chegue o dia do juízo final, como logo veremos. Portanto, desse fato concluímos que é algo em extremo estúpido alguém fazer toda esta discussão aplicar-se ao período intermediário.

[1 Coríntios. Ed. Parakletos, p. 406, 407].
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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Quando Deus aprova o aborto

Publicado originalmente no 5 Calvinistas.


Talvez o que eu tenho a dizer aqui neste post seja chocante para muitos, especialmente para quem me conhece como um cristão conservador em matéria de política, ética e teologia. Mas, lendo o excelente livro Purificando o Coração da Idolatria Sexual, do Dr. John D. Street (Editora Nutra, 2009), não tive como escapar da dura realidade dessa constatação. Sim, Deus se agrada de um aborto que foi fruto de uma sexualidade pervertida!

Antes que alguém me tenha por herege, gostaria de justificar o meu ponto com as pertinentes observações do Dr. Street ao texto de Tiago 1.14,15:
Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte.
Almeida Revista e Atualizada.
Na realidade, este post é mais um endosso ao livro do Dr. Street, enquanto termino de lê-lo (e, também, um ensaio para uma provável resenha). A certa altura do livro ele propõe um “paradigma de quatro estágios” para a escravidão sexual, o qual foi apropriadamente inferido da passagem bíblica supracitada (na realidade, o tal paradigma serve para qualquer pecado). Portanto, lido o texto de Tiago e desfeita a impressão de heresia que deixei transparecer no início (assim espero), prossigamos para os apontamentos do Dr. Street.


Primeiro estágio: alguns desejos depravados internos são estimulados pelo pensamento ou pela experiência (p. 53).
Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz (Tg 1.14).
Um dos grandes diferenciais do livro do Dr. Street talvez seja a sua abordagem essencialmente bíblica – não necessariamente pelas citações bíblicas, mas sobretudo por uma questão de cosmovisão –, diferente do que vemos em boa parte dos livros cristãos sobre o assunto. O autor não busca respostas nas teorias de comportamento seculares, mas nas proposições das Escrituras. Fatores externos como revistas e filmes pornográficos não são os nossos únicos inimigos, visto que eles “necessitam de um aliado dentro do homem para serem eficazes”. Portanto, se o nosso foco está apenas nessas questões (externas), estamos apenas dando a oportunidade para que o inimigo se entranhe ainda mais nos recônditos do nosso coração, visto que é lá que ele está alojado. Para que a cobiça – esse primeiro estágio de uma completa ruína –, então, seja vencida é preciso “identificar o inimigo real e conhecer o campo de batalha” (p. 54). Ou seja: que antes de “amarrar” Satanás possamos atentar para o mal que habita em nós! Chamemos esse primeiro estágio – a cobiça atiçada – de flerte e um convite para a cama.


Segundo estágio: A cobiça concebe num coração fértil quando ela ganha o consentimento da vontade (p. 56).
Então, a cobiça, depois de haver concebido … (Tg 1.15a).
É bom que fique bem claro a essa altura que o ser tentado, por si só, não é pecado. O flerte pode ser interrompido desviando-se o olhar (pois os olhos são “a lâmpada do corpo” – Mt 6.22), e o convite para a cama pode ser perfeitamente rejeitado. Contudo, quando não se é forte o suficiente para adotar tal procedimento, a cobiça encontra terreno fértil no coração, nele concebendo.  O autor do livro observa que “a terminologia grega usada em Tiago 1.13-15 é similar aos termos empregados para referir-se à sedução de uma prostituta” (p. 57), o que é bastante apropriado dado o amplo campo semântico da palavra cobiça. “O mundo e Satanás podem incitar os desejos depravados, mas isso não é pecado no coração até que a vontade tenha concedido a sua permissão”, diz Street. E mais: “o coração perverso é, à semelhança de um ventre, o ambiente fértil ideal para que o óvulo fecundado da cobiça sexual se desenvolva”. Como, então, impedir que esse ente continue a crescer em nosso coração? O autor sugere que o mesmo seja “abortado pelo arrependimento” – e aqui justifico o título que escolhi para este post. Caso não se opte pelo arrependimento, chamemos esse segundo estágio de o mal gerado no ventre


Terceiro estágio: o coração fecundado com a cobiça, em algum momento, dará à luz os atos visíveis da trangressão (p. 59).
Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado… (Tg 1.15b).
Caso não haja o aborto de que falamos acima (o qual Deus efetivamente aprova), o pecado, mesmo sendo trevas, será dado à luz. Essa, na realidade, é uma outra forma de dizer que as más obras dos homens tornar-se-ão expostas em tempo oportuno. Assim como a “barriguinha” de uma gravidez indesejada começa a aparecer com alguns meses, os pecados dos homens serão definitivamente visíveis. E, como diz o Dr. Street, “a cobiça sexual nascerá para o mundo quando tiver atingido a maturidade de gestação na qual o ventre da imaginação não pode mais contê-la” (p. 60). No caso de um cristão, esse pecado que foi dado à luz será o seu “filho bastardo” – ou seja, mesmo que haja arrependimento depois, as consequências o acompanharão. Ainda assim, o crente pode se encontrar encantado por essa criança, a qual, com o passar do tempo, exigirá comida mais robusta: nada de “papinhas” de masturbação ou qualquer outro tipo de auto-excitação, mas formas cada vez mais intensas e prazerosas de excitação, o que pode perfeitamente resultar em estupro, incesto, homossexualidade, necrofilia, bestialismo e tantas outras aberrações sexuais. A perda de controle é total. A este terceiro estágio chamemos de a criança nasce e começa a mandar no pai.


Quarto estágio: o pecado completamente formado resulta em morte (p. 69).
…e o pecado, uma vez consumado, gera a morte (Tg 1.15c).
O termo usado por Tiago para “consumado” é apoteleo, que significa maduro; completamene crescido. Nesse caso, a criança já cresceu (“adulteceu”), e se volta contra o pai, que até resiste, mas nada mais pode fazer. Crentes que vivem sob essa condição “jamais experimentarão a morte eterna ou espiritual”, diz o Dr. Street, “mas é possível que experimentem a morte física” (p. 71). Parece ter sido este o caso em 1 Coríntios 5, onde Paulo ordena àquela igreja que exclua o “velho fermento” da comunhão dos irmãos, para que o mesmo fosse “entregue a Satanás para a destruição da carne” (v.5-7). Pessoas escravizadas pela cobiça hão de perceber que, à medida em que a frequência de delitos aumenta, a satisfação diminui, o que as levará a buscar prazer pessoal em formas cada vez mais complexas. O caso de Davi vem bem a calhar. E o resultado de tudo foi a morte do seu filho (1 Sm 11.15-17; 12.15-18). A este quarto estágio podemos chamar de a criança cresce e mata o próprio pai. 


É isso o que acontece toda vez que não resolvemos extirpar o mal pela raiz, preferindo formas paliativas de resolver o problema. A mensagem da cruz começa pelo coração, pois é lá onde estão escondidos os intentos mais nefastos do ser (Mc 7.14-22)! Medidas paliativas somente adiam o problema. De igual modo, livros com propostas superficiais produzem o mesmo tipo de efeito. Por estar absolutamene convencido de que Deus aprova não somente esse aborto do qual falei, mas inclusive o “assassinato” do ente já nascido, recomendo a leitura do livro do Dr. John Street, a qual tem me ajudado e muito a lidar com meus próprios conflitos. Afinal de contas, quem não tem um calcanhar de Aquiles?

Soli Deo Gloria!
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segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Uma palavrinha sobre o palavrão

Publicado originalmente no 5 Calvinistas.

Pegando carona num excelente texto escrito pela Norma Braga há uns quatro anos (leitura mais que obrigatória!), vou arriscar aqui mais algumas palavrinhas sobre os palavrões.
***
Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para a edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem.
Efésios 4.29.
Deveria ser justamente o oposto, mas não é raro ver cristãos simpáticos à ideia de que é perfeitamente válido ao crente falar palavrão, sob a desculpa de que “extravasar faz bem para o corpo e para a alma”, dentre outras coisas. Afinal de contas, “ninguém é de ferro”. De fato, ninguém o é. Mas escusar-se nisso é deveras pecaminoso, visto que o padrão maior, que é Deus, não é contemplado. E é muito triste observar que essa mentalidade é bastante comum em nosso meio. Outro problema é que nem sempre o palavrão é oriundo de um pico de fúria, mas inclusive das conversas amistosas, nas quais um palavrãozinho acaba se tornando “imprescindível” para que o papo fiquem ainda mais “interessante” – o que acaba sendo ainda pior em se tratando de uma rodinha de crentes.

É bem verdade que Paulo fez essa associação entre palavra torpe (“palavrão”) e explosões de raiva, no versículo 26 (não vou discorrer sobre tal verso aqui, visto que já tratei dele em outro post), mas, como já disse, esta não é a única associação possível. E aqui chamo a nossa atenção para a perspicaz observação da Norma Braga: “todos os palavrões, dos menores aos maiores, têm algo em comum: remetem invariavelmente ao sexo”. (Particularmente, não conheço nenhum palavrão que fuja a essa regra). Mas será que é este o sentido empregado por Paulo na referida passagem? Teria ela conexões com aquilo que hoje entendemos por palavrão? Existia palavrão no século I?

No grego, a palavra traduzida por torpe é sapros, que significa, literalmente, podre, sem proveito, e foi usada apenas por Jesus e Paulo. Cristo a usou como metáfora para a “árvore ”, a qual produz somente frutos maus (Mt 7.17ss; 12.33; Lc 6.43), e para os peixes “ruins” que são deitados fora do cesto (Mt 13.43). É evidente que o uso que Jesus fez dela não tem conexões diretas com a questão da sexualidade, visto que em suas falas Ele nunca se preocupou em dar esse tipo de especificação. Contudo, Jesus era bem específico numa coisa: em apontar o coração como a fonte de tudo aquilo que arruina o homem, incluindo os pecados sexuais (Mc 7.18-23). Assim sendo, o sentido esposado por Paulo se sustém, pois não há boca que sobreviva com uma dieta a base de palavras podres.

Na realidade, o entendimento de que Paulo, aqui, se refere à linguagem libidinosa pervertida não é novo. Por exemplo, Calvino, comentando a passagem em foco observou que esse termo usado pelo apóstolo se refere a “tudo aquilo que provoca excitamento erótico que costuma infeccionar a mente humana com a luxúria” – o que para nós é um sinal de que nos tempos do reformador os palavrões também estavam ligados ao sexo (ou, à deturpação deste). Alguém poderia argumentar que Calvino, aqui, escreveu pensando em sua própria época, e não na de Paulo. A estes respondo com textos como Romanos 1.26-27, 1 Coríntios 5 e 6.12-20, onde o apóstolo nos dá alguns detalhes do que era a imoralidade sexual de seu tempo, o que me leva a crer que a época em que ele viveu não era menos podre de linguagem do que o século XVI ou o século XXI. No entendimento do reformador, Paulo não está falando apenas de palavras vazias e bobas, mas de palavras podres e carregadas de imagens sexuais. Obviamente, são muitas as palavras e coisas que nos provocam esse tipo de excitamento apontado por Calvino, e é razoável aceitarmos que elas são alvo de Paulo nesse texto. Mas não nos enganemos, pois até mesmo palavras “inocentes” podem assumir a forma de um palavrão, pois o pecado, como já vimos, não começa na boca, e sim no coração. Por esse motivo é que devemos extirpar de nossas disposições mentais tudo aquilo que porventura nos remeta a tais pensamentos (cf. Fp 4.8-9), fugindo, assim, de toda a aparência do mal (1 Ts 5.22).

Em resumo, considerando a admoestação do apóstolo, deveríamos fazer os seguintes questionamentos acerca do palavrão, caso ainda queiramos considerar a sua legitimidade: 
  1. ele verdadeiramente promove a edificação (pessoal e coletiva)?
  2. ele verdadeiramente transmite graça aos que o ouvem?
Particularmente, penso que palavras podres e imorais jamais promoverão a edificação pessoal ou coletiva, visto que são fruto de uma árvore mau desde a sua raiz. De um coração tomado de pensamentos impuros não pode sair coisa boa. As obras da carne nada podem edificar senão a própria carne (cf. Gl 5.16-21). Por este motivo, tais palavras são incapazes de transmitir graça às pessoas que nos rodeiam. Em vez de graça, transmitem desgraça: mau testemunho, incitação à violência, ao sexo pervertido e por aí vai. É por esse motivo que Paulo diz para não darmos lugar ao diabo (Ef 4.27), o verdadeiro pai de toda podridão. Estejamos, pois, alertas, antes que o Senhor nos lave a boca com algo muito pior do que o sabão com que nossos pais nos ameaçavam.
Soli Deo Gloria!
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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Cuidado, boquinha, no que fala...

Um "causo" que minha esposa me contou ontem ilustra bem o cuidado que devemos ter com nossa língua. Uma amiga nossa foi a uma dentista por conta de um dente seu que doía muito. A dentista, então, verificou que a restauração daquele dente estava com problemas...
- Nossa, mas que restauração mal feita fizeram no seu dente! Não acredito que um profissional tenha feito isso. Está horrível. Quem foi que fez essa restauração? - perguntou à paciente.
- Foi a senhora mesma, doutora.
Nem precisa dizer com que cara ficou a nossa honorável odontóloga. Deu mil desculpas e evasivas, dizendo que deveria estar muito apressada naquele dia, etc, etc, etc, mas não adiantou, pois as palavras não voltam. Penso que nenhum odontólogo do mundo seria capaz de dar jeito naquele sorriso amarelo que ficou estampado em seu rosto.
Todo cuidado com a língua é pouco, meus caros, pois ela é nada menos do que um "veneno mortífero" (Tiago 3.8). E tome cuidado, pois o veneno pode se voltar justamente contra você.

Fica a dica, e Soli Deo Gloria!
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domingo, 28 de agosto de 2011

Resenha de livro: Em Defesa da Teologia, de Gordon Clark



CLARK, Gordon H. Em defesa da teologia. Brasília: Editora Monergismo, 2010. 114 pp.


Traduzido por Marcos Vasconcelos e prefaciado por Felipe Sabino (à edição brasileira) e John Robbins (à edição americana), o livro escrito pelo teólogo e filósofo calvinista norte-americano Gordon Haddon Clark (1902 – 1985) possui seis capítulos, acrescidos de um posfácio (“A crise de nossa era”), também de autoria do Robbins. O que se seguirá será mais um resumo do que propriamente uma resenha, embora haja algumas observações.

No primeiro capítulo, e de forma bem genérica, o Dr. Clark fala sobre os quatro grupos de pessoas que, em diferentes graus, desprezam a teologia enquanto ciência. Com uma boa dose de ironia – ironia esta que, aliás, perpassa todo o livro –, ele começa sua fala dizendo que “a teologia, aclamada no passado como ‘a rainha das ciências’, hoje mal chega à posição de lavadora de pratos” (p. 17). O primeiro grupo, pois, é o dos “cristãos medianos”, o qual abrange “pessoas de diversos níveis de desenvolvimento teológico e espiritual” (p. 18). É aos tais que Clark chamará no capítulo três de “os desinteressados”. O segundo grupo é o dos “ateístas”, que são aquelas “pessoas que afirmam não haver Deus” (p. 21). Aqui, Clark inclui os positivistas lógicos (“uma divisão notável do grupo ateísta histórico”), os naturalistas ou humanistas (“adoradores do cientificismo [que] não são positivistas lógicos”), alguns políticos liberais e seus “credos socialistas”, os panteístas e, por último, os agnósticos, “embora seus adeptos repudiem enfaticamente a designação de ateístas” (p. 22, 23). O terceiro grupo é formado por aqueles indivíduos que “creem na existência de algum tipo de Deus, mas estão convencidos de que ele não pode ser conhecido” (p. 24). Difere do agnosticismo justamente pelo detalhe religioso: não obstante sua transcendência, esse Deus “pode ser sentido”. Aqui Clark dirige parte de sua crítica aos pentecostais e aos “fundamentalistas rasos”, a quem ele chama a ala “extrema direita” desse grupo. “Os integrantes dessa casta generalizada”, diz Clark, “perguntam-se o que a teologia, com seus detalhes e a ortodoxia morta, teria em comum com a oração e a religião ‘fervorosa’”. Contra essa invectiva, Clark observa (em nota de rodapé) que “hoje, há tão pouca ortodoxia de qualquer tipo que seria reconfortante encontrar até mesmo a ortodoxia morta" (p. 25). Mas o alvo de Clark é mesmo os neo-ortodoxos, a ala “extrema esquerda” do grupo. Começando por Schleiemacher, “o iniciador moderno da teologia da experiência” (p. 25) e passando por Kierkegaard, aquele que “rejeitou o sentimento do infinito substituindo-o pela ‘paixão pelo infinito’” (p. 26), Clark chega, então, a Emil Brunner e a Karl Barth, a quem dirigirá críticas mais específicas no capítulo quatro, sobre a Neo-ortodoxia. Sobrou até para Dooyeweerd, a quem Clark acusa de defender pontos de vistas “extáticos, irracionais e existenciais” (p. 27), mas sem justificar o porquê disso – o que é uma falta grave da sua parte. Diz Clark que “os mais bíblicos desse grupo, não particularmente a multidão desatenta que dorme durante o sermão, mas, em especial, pastores e autores de livros devocionais populares, são, na maioria, incoerentes. Possuem uma pobre compreensão lógica e por isso, firmemente agarrados a alguma doutrina fundamental, também defendem, pregam e escrevem as heresias mais selvagens. Essa mistura indigesta”, continua ele, “é enfeitada de forma regular com o chantili fofo do absurdo” (p. 27). O quarto grupo, por fim, consiste nos que estudam mais teologia que a pregada no púlpito, a quem Clark dedicará o último capítulo de sua autoria.

A partir do segundo capítulo é que Clark se dirige de forma específica aos quatro grupos acima listados, começando pelos ateus. Como o cristão deve combater o ateísmo? Para Clark, o método evidencialista (embora ele não use esse termo), além de ser árduo, é praticamente inútil. Ele diz que “o ‘argumento cosmológico’ não é apenas extremamente difícil, uma vez que demandaria grande dose de ciência, matemática e filosofia para formá-lo, mas é inconclusivo e irremediavelmente falacioso. Essa não é a maneira de responder aos ateístas” (p. 34). Clark também ressalta a inutilidade do método evidencialista ao dizer que “os cristãos deveriam se preocupar menos com a existência de Deus e mais com o tipo de Deus existente”. Para ele, afirmar que Deus existe “não ajuda em nada o cristianismo”. “Já que tudo existe, a palavra existe é desprovida de informação. Por isso que o Catecismo pergunta: ‘o que é Deus?’, e não: ‘Deus existe?’” (p. 36). Qual o método, então? “Nosso axioma é o de que Deus falou. Ou, de modo mais completo – Deus falou na Bíblia. De forma mais precisa, as afirmações bíblicas são o que Deus falou”, responde ele (p. 38). Que Clark tem em mente aqui o escrituralismo (as Escrituras como a única fonte de verdade, em contraponto ao pressuposicionalismo do tipo vantiliano-schaefferiano, que contempla verdade em outras fontes) fica evidente no restante do livro.

No terceiro capítulo, como já foi mencionado, Clark se dirige aos “desinteressados”. São aqueles que consideram a teologia como uma matéria nada prática ou inútil; que aderem a bordões já desgastados como “nenhum Credo, senão Cristo” e “o que conta não é o que se crê, mas o que se sente” (p. 41). Para Clark, contudo, “caso Deus exista – supondo o descarte do ateísmo – ele deve ser alguém que deveríamos conhecer”. Isso o leva a afirmar que “ninguém pode ser crente sem teologia – o conhecimento de Deus” (p. 42). Clark também observa que “o temperamento americano é ativista e prático e talvez se impressione mais com a necessidade de teologia para o evangelismo”. E, após citar o quanto se desdenha de doutrinas como a ressurreição de Cristo nas faculdades e escolas de ensino fundamental – onde as pessoas são “inculcadas pela educação humanista” –, Clark aproveita para denunciar alguns “evangelistas” que, para contornar tais objeções, resolvem simplesmente excluir a ressurreição do “evangelho” deles ou então existencializá-la como “a feliz sensação de confiança sentida ao ressurgir das profundezas da frustração”, como fazem os neo-ortodoxos (p. 42, 43). Clark apresenta esses problemas como “desafios intelectuais ao evangelismo”, e diz que “seria lastimável se o cristão conhecesse a Bíblia de modo menos completo que seu colega conhece o humanismo” (p. 43), no que concordamos com ele. Para ele, “se quisermos conhecer a Deus é indispensável levar criteriosamente em conta a metodologia”. E que metodologia é essa? Uma teologia cujo conteúdo proceda “inteira e somente da Bíblia” (p. 44). “Nossa tarefa”, prossegue, “é coletar versículos e passagens da Bíblia, entendê-los preliminarmente e depois sistematizar o conteúdo” (p. 45)[1]. Mas, para justificar seu ponto, Clark faz um uso inapropriado – levando em consideração o contexto da passagem – do texto paulino em que o apóstolo diz que “Deus não é Deus de confusão… tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (1 Co 14.33, 40). Ele conclui o capítulo tomando como ilustração a construção de uma casa, a qual somente é possível graças ao arranjamento lógico dos materiais (pregos, tijolos, cimento etc.).

No quarto capítulo é onde Clark vai bater mais forte nos neo-ortodoxos, os quais, segundo ele, é o grupo que “domina as principais denominações nos EUA e no exterior”. Para Clark, a Neo-ortodoxia é a “religião experimental” (p. 48); a “religião da irracionalidade” (p. 50); proponente de uma “dupla verdade” (p. 55) e, por isso mesmo, “antilógica” (p. 56). Por quê? Porque ela insiste que o homem nunca poderá conhecer Deus, visto que este é o “totalmente outro” (Barth) e ideias afins. A propósito, quando se refere a Barth, Clark diz que “é difícil entender por que tantas das asserções de Barth dão ao leitor de boa-fé a impressão exatamente contrária das verdadeiras crenças dele” (p. 58 – embora seja oportuno dizer que esta não é uma exclusividade dos leitores de Barth, evidentemente. Incluem-se aqui os próprios leitores de Clark). Para Clark, Barth, além de abraçar o paradoxo “nega quase de forma absoluta que o homem seja a imagem de Deus, de acordo com 1 Coríntios 11.9” (p. 58), como também “não crê na ressurreição do corpo” (p. 61). Tais coisas arrancam de Clark declarações fortes, como a de que “a igreja visível é muitas vezes atormentada pela peste dos místicos pseudodevotos que apostam na própria intuição”, e arremata: “o pensamento criterioso e a teologia dogmática repeliram-nos” (p. 58). O problema básico de Barth e dos pregadores super-religiosos é epistemológico, segundo Clark, visto que os tais, ao ignorarem a proposição bíblica de que o homem é a imagem de Deus, estão de fato repudiando a lógica (p. 64).

E é justamente a esta última que Clark dedica as linhas do quinto capítulo, no qual ele pretende fazer uma “defesa da teologia lógica” (p. 67). E o que vem a ser essa “teologia lógica”? Basicamente, é a pregação de todo o conselho de Deus. Para Clark, “Deus é um espírito ou intelecto racional e lógico, do qual o homem recebeu a imagem”. Aqui, ele continua criticando aqueles que exaltam a práxis em detrimento da atividade intelectual. Segundo ele, “todos os homens são obrigados a obedecer aos mandamentos divinos e devemos ‘fazer a verdade’ até onde a verdade puder ser realizada”. “Agora”, ironiza, “como ‘fazer’ a Trindade é um enigma” (p. 69). Doravante, ele fará outra crítica injustificada a Dooyeweerd, a quem ele chama de “existencialista” juntamente com Rookmaker, os quais seriam os mentores de um “grande grupo que detesta o conhecimento ou a lógica: os que tem mais interesse na estética que na teologia ou filosofia” (p. 71). Seria interessante se Clark pelo menos nos remetesse a algum escrito seu no qual ele confronta de forma mais apropriada (para não dizer justa) o filósofo holandês. Caberá também uma crítica a Leland Ryken, que disse que “é possível receber a verdade de Deus ouvindo o Messias de Handel. [...] Não basicamente pela razão, mas pelos sentidos (audição) e emoções” (p. 71). Para Clark, porém, uma vez que “somente as proposições podem ser verdades” (p. 74), “a arte não substitui a informação do evangelho” (p. 76). A partir da página 84 Clark apresentará alguns argumentos formais na Escritura em defesa da lógica, e da página 90 até ao final do capítulo, algumas notas sobre lógica simbólica, que é, de longe, a parte mais maçante do livro (especialmente para quem não entende bem o assunto, como eu. Por isso, prefiro não comentá-lo).

No sexto e último capítulo Clark se dirigirá àqueles que se interessam pela teologia – o quarto grupo. São pessoas que levam mais a sério a responsabilidade cristã, que “deleitam-se em receber informação da parte de Deus e querem entendê-la corretamente” (p. 95). Não é preciso fazer muito esforço para se chegar à conclusão de que este é o grupo a quem Clark se mostrará mais amigável. Ele toma como ponto de partida para o seu desfecho a doutrina do homem como imagem de Deus, a qual, segundo ele, “é aquela que está mais intimamente ligada à defesa da teologia”. E ele nos dá algumas referências bíblicas para tal defesa: Gn 1.26, 27; 5.1; 9.6; 1 Co 11.7; Cl 3.10 e Tg 3.9. Para ele, “teologia consiste em entender essas referências e extrair dela conclusões lógicas” (p. 97). Aqui, caberão ainda algumas críticas ao empirismo e ao naturalismo (p. 98 a 103). “Todas as filosofias não cristãs resultam no ceticismo total”, diz. E continua: “Em contraste, o teísmo fundamenta seu conhecimento nas proposições divinamente reveladas. Elas podem não nos dar toda a verdade; pode até ser que nos dêem pouca verdade; mas, de outra maneira, não existe verdade”. E arremata: “chega de alternativas seculares” (p. 103). Nesse embalo, vai sobrar novamente para a neo-ortodoxia (mormente nas figuras de Barth e Brunner), a qual torna toda doutrina falsa, segundo Clark. “Portanto”, conclui, “pode-se dizer que o material bíblico está corretamente resumido ao identificar a característica distintiva do homem como a razão. O pecado causa seu mau funcionamento. A redenção renovará os homens em conhecimento (retidão e santidade) à imagem de quem os criou. Então, no céu, não cometeremos erros nem mesmo de aritmética”. No último parágrafo do livro é que Clark fará uma síntese de todo ele:
Deus nos deu uma revelação verbal; temos a obrigação de estudá-la. Nenhuma outra exortação é necessária. Não há dúvidas de que muitos depreciadores da lógica e da informação sejam cristãos, entretanto o que publicam, pregam e conversam não é cristão. Também não são logicamente coerentes ao repudiarem o dogma bíblico, pois cristianismo sem doutrina inteligível é simplesmente doutrina inteligível sem cristianismo (p. 104-105).

Conquanto eu concorde com John Robbins em certos aspectos, encaro seu posfácio ao livro mais como uma oportunidade para destilar sua ojeriza ao sistema vantiliano de apologética do que propriamente uma defesa da teologia. “Os fieis clamam por verdade e recebem ‘paradoxo’ e ‘antinomia’”, diz (p. 108). E mais: “a prática dos crentes professos modernos é imoral por tratar-se da prática de teorias falsas” (p. 112). Ora, se este pensamento for levado às últimas conseqüências os eleitos não seriam somente os “clarkeanos”? Interessante que nem mesmo Clark parece ter pensado nisso! Temo pelos leitores caso estes se impressionem mais com o apelo ácido do Robbins do que com as palavras do Clark em si mesmas (pelo que sabemos, havia grande respeito pessoal entre este e Van Til).

O livro, no geral, é bom, embora haja conceitos nele que podemos encontrar com maior profundidade em outras obras, o que o tornaria, em certa medida, “dispensável”. Mas, como se trata de um pequeno esboço do que o autor pensa a respeito do assunto, é uma leitura válida – especialmente para aqueles que, como eu, desejam conhecer um pouco mais do pensamento de tão notável teólogo do século XX, o qual já goza de considerável prestígio entre muitos reformados da atualidade.


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[1] Novamente, tem-se como pano de fundo a perspectiva escrituralista.
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quinta-feira, 30 de junho de 2011

Vencedor do sorteio do Comentário de Efésios, de Calvino

O vencedor do sorteio do Comentário de Efésios, de Calvino, é meu xará: Leonardo Felicíssimo. Espero que ele festeje, fazendo jus ao seu nome.

efésios calvino

Soli Deo Gloria!

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quarta-feira, 29 de junho de 2011

Dos calvinistas que comem “despacho” de macumba e bebem vinho

Esse foi um texto que escrevi no Google Buzz, com ligeiríssimas alterações aqui. Por isso mesmo é que ele soa assim, meio solto e com maneirismo de rede social. Risos.

***

Hoje discuti com um irmão aqui do trabalho, enquanto almoçávamos, acerca dos alimentos sacrificados a ídolos. Bem, não lembro como começamos, mas o fato é que a conversa tomou rumos inesperados, pelo menos para mim. Ele ficou escandalizado porque eu lhe disse que, numa situação desértica e extrema, faminto, eu comeria um "despacho" de macumba sem problema, desde que eu estivesse sozinho. Argumentei como Paulo, no sentido de que os ídolos não são absolutamente nada, e que Deus há somente um (1 Co 8.4-6). Mas se eu estivesse acompanhado de alguém que não tivesse esse entendimento e que se escandalizasse com minha atitude, eu não comeria por amor a essa pessoa, visto que entendimento desprovido de amor serve somente para inflar o ego ("o saber incha, mas o amor edifica" - 1 Co 8.1)*. Ainda assim, esse irmão disse que o problema era meu, visto que "para Deus não há distinção de pecado", e que Deus era poderoso para suprir sua necessidade, e que por isso jamais se submeteria a comer um despacho de macumba.

Eu sei que depois o papo chegou no vinho, e ele prometeu que ia me provar, mediante estudo do termo grego, que o vinho de que a Bíblia fala, e que Jesus bebeu na Ceia, era vinho não-fermentado; um suco de uva, na realidade. Novamente, tentei argumentar com ele, dizendo que o que a Escritura proíbe é a embriaguez. Inútil. Citei o caso de Noé, que pecou por embriagar-se (não por beber) com vinho, e esse irmão disse que não queria saber da "Velha Aliança". Se o irmão está certo, então será que os fariseus estavam acusando Jesus de ser um “bebedor de suco de uva não fermentado” (cf. Lc 7.34)? Bom, deixa pra lá…

Para coroar a discussão, ele disse que eu cria dessa maneira porque sou calvinista. Perguntou até (em tom de sarcasmo) se eu cria na reencarnação, vejam só! Depois ele se virou para a predestinação, dizendo que ela não é bíblica e todo o papo que vocês já conhecem. Disse que há diferença entre predestinação e eleição. Disse também que meu problema é que eu fui doutrinado pela Igreja Presbiteriana, a qual ele disse conhecer muito bem, e que por isso mesmo está onde está, visto que não foi por ela convencido. Eu falei para ele que não dava pra discutir com uma pessoa que parte dos pressupostos errados. Sugeri-lhe que estudasse os termos gregos (já que ele gosta tanto dos originais!) para eleição e predestinação. Perguntei-lhe também se ele consegue encarar textos como Romanos 9 assim, "numa boa". "Seu problema é que você se baseia em textos isolados"... "Não sirvo a Calvino, sirvo a Deus"; gritou ele quando eu já distava uns cinquenta metros. Sim, deixei ele falando sozinho.

Infelizmente, esse irmão é somente mais um dentre tantos que confundem liberdade cristã com libertinagem (“licença” para pecar) – o que acaba se tornando um dos argumentos preferidos dos não-calvinistas contra o calvinismo, uma vez que somos acusados de nos esconder na predestinação e na perseverança dos santos, usando-as como pretexto para o pecado. Nada mais longe da verdade. É nessas horas que devemos exercitar o amor para com os fracos (cf. Rm 14). E eu diria que deixar ele falando só naquele momento foi, em alguma medida, uma prova de amor. Procurá-lo depois para esclarecê-lo e ajudá-lo pode ser outra ainda maior. Espero que assim seja.

Soli Deo Gloria!
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* Muito embora eu tenha certeza de que, mesmo sem entender a liberdade cristã, meu acompanhante ignoraria sua própria ignorância e mataria logo sua fome. =p

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segunda-feira, 20 de junho de 2011

Estudo em Romanos 12.9-21



Estudo ministrado na I Igreja Presbiteriana em Santarém, na manhã de 19 de junho de 2011.

Soli Deo Gloria!
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quarta-feira, 15 de junho de 2011

Jesus, Paulo e os mortos do "Horizonte Utópico"

Em minha última postagem (aqui) fui duramente criticado pelos defensores de um certo herege tupiniquim que há muito descambou (se no corpo ou fora do corpo eu não sei) para o liberalismo teológico. Disseram que me faltou amor em lidar com ele (e com quem a ele se alinha), e eu precisei explicar que é justamente por amar – novamente digo: a Deus primeiramente, e consequentemente ao próximo – que eu disse o que disse, e não me arrependo de assim tê-lo feito. Ora, Jesus chamou os fariseus de nada menos do que “raça de víboras”; Paulo chamou os hereges de sua época de “lobos vorazes”; e Pedro os chamou de cães e porcos, somente para citar uns poucos exemplos. Sobre essa questão do amor, recomendo aos leitores o excelente post do Rev. Augustus Nicodemus (aqui). Daqui a pouco volto com uma interessante colocação de Calvino sobre essa questão.

Voltando ao herege, alguns amigos me recomendaram a deixá-lo pra lá; que não vale a pena ficar discutindo sobre ele, pois isso só lhe aumenta a popularidade (é o tal do “falem bem, falem mal, mas falem de mim”). Inclusive um mais chegado me recomendou a deixar os mortos enterrarem seus próprios mortos, conselho que eu vinha seguindo meio que à risca. Só que meus dedos e meu estômago (principalmente este) se inquietaram diante de um vídeo no qual o herege que rima com tupiniquim destila um veneno mais mortal ainda, em sua aberta negação da segunda vinda de Cristo como fato histórico – o que, no fim, das contas, é uma negação da parousia em todos os aspectos. Se alguém duvida, clique aqui. Mas só clique se realmente você tiver estômago para ouvir o que ele diz lá.

Visto que mal de estômago é algo que realmente incomoda aqueles que amam a Verdade (cf. Timóteo, hehe!), vou poupar meus queridos leitores de verem o vídeo na íntegra. Abaixo, transcrevo algumas falas heréticas do nosso herege nacional.

- Eu não creio na volta de Cristo do tipo “eu creio que Jesus vai voltar hoje”; mas eu creio na volta de Cristo como um modelo motivador das ações da igreja para que se cumpra o reino de Deus entre os homens.

Aos 5min e 25ss. Negrito meu.

- O que é a mensagem da volta de Cristo? É tirar a gente desse conforto de que Cristo volta e resolve todos os problemas do mundo e nos jogar na direção da construção do reino de Deus entre os homens.

Nesse momento alguém o interrompe e diz: “em vez de ser um anestésico passa a ser um estimulante?”, ao que ele responde: “Estimulante. Por que Paulo combate isso na igreja dos Tessalonicenses. Ora, se Cristo vai voltar, pra que eu vou trabalhar? Se Cristo vai voltar, pra que que eu tenho que lutar contra a escravatura?” [etc.]…

Dos 8min e 30ss em diante. Negritos meus.

Devo parar por aqui. Se quiserem embrulhar seus estômagos por si mesmos, fiquem à vontade e vejam lá o vídeo. Mas selecionei as falas supracitadas para justificar o título do post, e também para dar uma breve satisfação aos colegas que sugeriram que fizéssemos críticas mais específicas ao herege, pelo que segue uma breve.

O herege lança mão de um expressão usada por Jurgen Möltmann, um teólogo alemão liberal do século XX, para embasar sua interpretação da parousia. A expressão é “horizonte utópico”, que, como o próprio nome sugere, afirma ser mera utopia as promessas de Cristo quanto a uma segunda vinda literal e histórica – algo que lembra e muito a tal “demitologização” proposta por Bultmann (com a diferença de que Bultmann, em minha opinião, sabia ser herege). O “único” problema com essa perspectiva é que ela simplesmente não é bíblica. Não preciso ler a Teologia da Esperança de Möltmann para me certificar de que nada existe de esperançoso em sua proposta, que o nosso herege nacional abraçou. Fico até consternado em ter que provar biblicamente o desvario desse irresponsável teológico, mas aqui seguem alguns textos em que o próprio Jesus afirma sua segunda vinda literal (versão da NVI):

    • Mt 16.27: Pois o Filho do homem virá na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então recompensará a cada um de acordo com o que tenha feito.
    • Mc 8.38: Se alguém se envergonhar de mim e das minhas palavras nesta geração adúltera e pecadora, o Filho do homem se envergonhará dele quando vier na glória de seu Pai com os santos anjos.
    • Lc 21.33-35: O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão. Tenham cuidado, para que os seus corações não fiquem carregados de libertinagem, bebedeira e ansiedades da vida, e aquele dia venha sobre vocês inesperadamente. Porque ele virá sobre todos os que vivem na face de toda a terra.
    • Jo 14.1-3: Não se perturbe o coração de vocês. Creiam em Deus; creiam também em mim. Na casa de meu Pai há muitos aposentos; se não fosse assim, eu lhes teria dito. Vou preparar-lhes lugar. E se eu for e lhes preparar lugar, voltarei e os levarei para mim, para que vocês estejam onde eu estiver.
    • Ap 22.12: Eis que venho em breve! A minha recompensa está comigo, e eu retribuirei a cada um de acordo com o que fez.

Ora, se o horizonte que Jesus estabeleceu ao falar da sua segunda vinda é mesmo “utópico”, como querem os hereges alemão e brasileiro (e tantos outros ao redor do mundo), então o próprio Cristo ficará fora do reino que ele mesmo construiu, uma vez que, como ele mesmo afirma, “fora ficam os cães, os que praticam feitiçaria, os que cometem imoralidades sexuais, os assassinos, os idólatras e todos os que amam e praticam a mentira (Ap 22.15). Logo, seja Deus verdadeiro e mentiroso todo homem – especialmente esses hereges (cf. Rm 3.4).

Mas o que mais me espantou de fato foi que o herege não foi apenas herege, mas um baita de um mau leitor (pra não dizer outra coisa!). Ele resolveu apelar para Paulo, como se o apóstolo fosse mesmo trair eu Mestre em prol de um falso mestre. Ele diz que Paulo tinha em mente o tal “horizonte utópico” quando combateu o ócio dos tessalonicenses (em 2 Ts 3.10), que estavam, segundo o herege, se fiando na expectativa do retorno (literal) de Cristo. Só que o engano dos tessalonicenses não foi o de que Cristo ainda vai voltar, e sim o de que a parousia já havia ocorrido (cf. 2 Ts 2.1-11). Será que seria pedir demais ao herege que ele leia antentamente o contexto mais amplo da passagem, ainda que dele não venha tirar nenhum proveito para suas monstruosidades teológicas? E mais: se Paulo realmente pregou um “horizonte utópico” ele deverá fazer companhia ao “Cristo” mentiroso, que nos deu utopias para crer.

É por essas e outras que repito: não posso amar esses hereges, porque eles insultam violentamente o Deus das Escrituras. Não dá para ter paz com quem promove a confusão dentro da igreja. E aqui termino com o que disse Calvino sobre essa questão do amor, conforme prometido supra. Trata-se de um trecho do seu comentário a Rm 12.18 (“se possível, quanto a depender de vós, tende paz com todos os homens”):

É conveniente que toleremos muito, perdoemos as ofensas e voluntariamente suportemos o extremo rigor da lei por amor à paz, contanto que estejamos preparados para lutar corajosamente, como às vezes nos é requerido. Os soldados de Cristo não podem gozar de perene paz com o mundo, porque este é governado por Satanás.

Não somente não quero, como também não posso gozar de perene paz com os hereges, porque estes são governados por Satanás, e não por Cristo. Mas devo me prontificar em suportar, no temor do Senhor e por Sua Graça, a sanha daqueles que vivem a bajular os que propagam a mentira, ainda que se trate de gente morta.

Que Deus nos ajude!

Soli Deo Gloria!

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sexta-feira, 10 de junho de 2011

O herege e seus discípulos (ou, como fui salvo de Ricardo Gondim)

A mais recente carta que a liderança do Jovens da Igreja Betesta em São Paulo escreveu em apoio ao seu pastor, Ricardo Gondim (aqui), me deixou assustado. A influência que um falso mestre pode exercer no seio de uma igreja é algo realmente assustador; um verdadeiro câncer que, paulatina e silenciosamente, corrói a alma dos desavisados. Mas antes de destilar mais críticas, preciso fazer uma confissão. Volto já.

1RICARDO-Gondim-0001Por um bom tempo o Gondim foi o meu escritor/pensador evangélico favorito. Conheci sua pena através da Revista Ultimato (da qual ele foi recentemente convidado a “des-continuar” um trabalho que já durava vinte anos), e não quis mais parar de lê-lo. Aliás, minha motivação maior em ler a referida revista era por causa dos artigos de sua autoria. “Inspiradores”, era o que eu pensava dos seus textos. Li muitos dos seus livros, dentre os quais eu destaco É proibido: o que a Bíblia permite e a igreja proíbe (um marco na vida de muitos crentes); Artesãos de uma nova história; e Orgulho de ser evangélico. Aliás, foi dele o primeiro livro evangélico que comprei: Fim de Milênio: Os perigos e desafios da pós-modernidade na igreja (Abba Press, 1996). Eu também ouvia diariamente pregações suas numa rádio (não lembro qual), e as gravava em fita cassete. Eu gostava tanto do Ricardo Gondim que dois amigos meus passaram a me chamar de RG. “RG? Do que esses caras estão falando, hein?”. É, demorou pra cair a ficha. Até que, como diria Cazuza, “a emoção acabou”…

Voltei (ufa!). Por pura Providência, a época em que a emoção esmaecia coincidiu (eu falei “coincidiu”? Mercy, oh Lord!) com a época em que eu estava descobrindo a teologia reformada. E foi exatamente aí que eu passei a desconfiar de certos apelos que o Gondim fazia em seus textos – seus termos melosos, sua argumentação puramente emotiva e todo o resto que vocês já sabem. Como a tarefa de linkar todas as heresias que já li dele seria por demais hercúlea, contento-me em citar apenas um artigo de sua lavra que me abriu os olhos para o terreno movediço em que eu estava pisando. Trata-de do artigo Proposta de um credo, publicado em uma das edições de Ultimato (aqui), onde ele endossa aquilo que mais tarde eu conheceria por Teologia Relacional. Aproximei-me do texto como admirador, e voltei dele estarrecido com o que lia – mesmo não sendo esse o seu texto mais tortuoso. “Creio que Deus soberanamente decidiu abrir mão de parte de sua onipotência quando criou seres à sua imagem e semelhança”, dizia ele. Alguns dias depois, Gondim escreveria um polêmico texto sobre o tsunami que devastou o leste asiático no final de 2004 (clique aqui, porque este aqui, curiosamente, não funciona), onde não somente a onipotência, mas também a onisciência divina seria negada. Só que desse texto eu só tomei conhecimento muito tempo depois de ter sido escrito.

Quando li um artigo que o Augustus Nicodemus escreveu para a mesma Ultimato sobre a Teologia Relacional (aqui), logo passei a associar as denúncias dele às propostas do Gondim. Eu dava os meus primeiros passos na fé reformada, e aquele era um tema crucial. Um Deus que não é soberano? Estranho isso… Finalmente, fui alertado por um amigo que Gondim era adepto da Teologia Relacional. E foi exatamente isso o que eu ouvi mais tarde da boca do próprio Augustus, numa ocasião em que ele pregou na igreja em que eu passei a congregar (saí de uma batista e fui pra uma presbiteriana) – uma exposição na 2ª carta de João, que trata exatamente de como os falsos mestres devem ser tratados. Aquilo que muitos chamariam de “anti-ético” da parte do Augustus eu definiria como amor: amor pela Igreja de Cristo, a qual foi comprada com Seu sangue. Amor que anda em conformidade com a Verdade, como somos ensinados por Paulo (Ef. 4.15).

Aquela escada por trás dele... onde será que vai dar, hein?

Aí me vem esses jovens da Betesta em defesa de um cara que precisa negar a Verdade para afirmar o amor! “Não temos medo de pensar. Temos medo de não amar”, disseram eles na primeira defesa, em 2007 (aqui). Pergunto aos tais: “não amar” o que? O deus limitado do Gondim? Um deus que se faz menor que suas criaturas? Pois saibam que a este deus eu não amo e nunca temerei não amar! “Não terás outros deuses diante de mim”, diz o primeiro mandamento. Isso mesmo! Que dizer do deus do Gondim senão que ele é outro, e, portanto, um ídolo? Ah, o “não amar” se refere ao próximo, é isso? Tanto quanto pior! Pois se eu não possuo uma visão adequada de Deus eu também não posso ter uma visão adequada do homem (e vice-versa), a quem pretendo tomar como próximo. Por isso é que eu também afirmo que não tenho medo de não amar ninguém!

E mais uma vez esses jovens resolveram adotar o discurso autocomiserado do seu mestre. “O Gondim virou o herege da vez. O inimigo da vez. Nada mais mesquinho e estranho ao Evangelho - que nos convida a amar os inimigos, mas parece que o universo evangélico se especializou em produzir inimigos para odiá-los em comunhão”, dizem. Aliás, relativizar a verdade em prol de um amor que só existe na cabeça deles é praxe nesses grupos. Segundo eles, “heresia pressupõe uma verdade absoluta. Na fé cristã essa verdade é o Amor, não uma doutrina ou um dogma”. E este é o motivo pelo qual eles não consideram seu mestre um falso mestre: a “não relativização” do amor. “Por isso não consideramos o Ricardo Gondim um herege, pois nunca o vimos relativizar a revelação que Deus é Amor”. Para justificar o porquê disso eles apelam para a vida corporativa (ou seria vegetativa?) da igreja onde, dominicalmente, Gondim destila seu veneno.

Quem conhece a Betesda e o Gondim sabe que ele prega todos os domingos na [sic] Bíblia e que proclama em alto e bom som a fé cristã: Jesus é Deus encarnado, nascido de uma virgem por meio do Espírito Santo, morreu na cruz por amor de nós, a fim de nos salvar, e ressuscitou no terceiro dia vencendo a morte, estendendo a ressurreição a todos os homens e mulheres por meio da fé.

Notem que nada é dito sobre, por exemplo, a soberania de Deus, porque este é um conceito que eles e os demais relacionais, liberais e et ceteras e tais! detestam. Isso pode ser facilmente explicado pela postura de Esquerda (socialista) assumida por eles. “Heresia”, dizem, “é uma palavra criada para tentar invalidar ideias opostas às ideias vigentes. Criar hereges é fonte de alianças maquiavélicas, para calar a boca de quem incomoda as maiorias, sempre poderosas”. E aqui eles alinham Gondim a Martin Luther King, dizendo que este “também já foi acusado de herege pelos pastores poderosos de sua época - e libertou um povo oprimido, dando a eles direito à cidadania”. Talvez se eles conhecessem um pouco mais da “vida privada” do tal revolucionário seriam mais cautelosos na comparação. Somente para fazer justiça, apesar da minha aversão à postura do Gondim eu não creio que ele, a exemplo do Luther King, plagiou teses na universidade e tem relacionamentos extra-conjugais (leia aqui) – embora teologicamente eles se pareçam. Mas o desvario desses jovens é tanto que resolveram alinhar seu mentor e Luther King a Lutero, os apóstolos e Jesus!

Ele [Gondim] é um herege apenas para quem considera alguma doutrina e lei absolutas. Mas nesse caso, King, Lutero, os apóstolos e o próprio Jesus também eram, então o Gondim está em ótima companhia, e seguindo um excelente caminho.

Quanta cegueira, meu Deus! Será que não percebem que defendendo seu mestre dessa forma tão estúpida estão indo contra o Mestre? Será que não percebem que alinhar Cristo e seus apóstolos a alguém que abertamente relativiza a Verdade e destrona a Jesus do seu patamar de Glória é blasfêmia? Será que não percebem que estão seguindo alguém que está imerso em sua própria incredulidade; um cego, guia de cegos?

Entendam, meu caros. Não é por pedantismo ou arrogância (ah, palavrinha mal entendida!) que digo essas coisas, mas por amor. Inicialmente, por amor a Deus e à Verdade; e também por amor àqueles que estão sendo levados por esse engodo chamado Gondim. Novamente apelando para a experiência comunitária, seus discípulos ainda alegam que “a maior parte de seus acusadores e perseguidores nunca leu um livro que ele escreveu, ou um artigo, uma entrevista, nunca foi à um culto na igreja Betesda do Jardim Marajoara, em São Paulo – onde ele é pastor e prega todos os domingos – não conhece os membros da Betesda e não sabe quase nada sobre a história de vida do Gondim nem da Betesda. Apenas repete o discurso inflamado de seus líderes e pastores que vêem no livre-pensar do Gondim uma ameaça”. Bom, eu realmente nunca fui num culto da Betesda (nem quero ir) e não conheço os seus membros (a não ser pelo que escrevem, agora). Mas já li livros, artigos e entrevistas suficientes do Gondim para querer distância de suas ideias, e a história de vida dele – bem como a de qualquer um de nós – não tem poder algum para testemunhar contra ou a favor da Verdade, visto que, como dizia Calvino, ela sozinha pode manter-se de pé. Não escrevo de uma “torre-de-marfim calvinista”, como alguns podem me acusar. Também vim do pó e ao pó voltarei; sou humano e pequeno. Por isso mesmo é que me reconheço fraco e incapaz; sujeito à minha própria fraqueza. Não obstante, creio firmemente que o Cristo das Escrituras é poderoso para me guardar de todo tropeço e para me apresentar com exultação, imaculado diante da sua glória (Jd 24). É por esse motivo que, embora eu discorde frontalmente dos que defendem esse herege, devo dizer que ainda assim tenho compaixão por eles, no sentido de que oro para que Deus, em sua inaudita Graça, os livre desse laço, assim como um dia eu mesmo fui liberto das trevas e da ignorância a respeito dos atributos e da Pessoa do Eterno. Não posso crer que alguém que diminua tanto a Deus possa ser considerado alguém que O ama em Espírito e em Verdade. Não posso admitir genuína adoração e amor onde a Verdade não impera.

Por isso, se aqui cabe um conselho aos jovens da Betesda (e aos demais enfeitiçados), aqui vai:

Jovens, eu vos escrevi, porque sois fortes, e a palavra de Deus permanece em vós, e tendes vencido o Maligno. 1 Jo 2.24.

De todos os autores neotestamentários, João talvez seja aquele que mais tenha tratado do tema amor e verdade. Para ele esses são conceitos que não podem ser contrapostos nem divorciados, mas juntos dão todo o sentido à existência humana. Opiniões erradas sobre Deus, Jesus e o mundo não podem ser tomadas como “alternativas” à fé, e sim como afronta a ela. Por este exato motivo é que eu rechaço a proposta relacional do Gondim, visto que ela é, na realidade, toatalmente anti-relacional, no mais puro sentido redentivo da palavra. E, assim como um dia Deus me libertou de despencar nesse abismo, oro para que os jovens da Betesda também tenham os seus olhos abertos, antes que seus caminhos tomem um rumo totalmente irreversível.

Que Deus nos ajude!

Soli Deo Gloria!

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terça-feira, 7 de junho de 2011

Sorteio de livro: Comentário de Efésios, de João Calvino

efésios calvinoNo dia 30 deste mês o Optica Reformata estará sorteando o excelente comentário de João Calvino à carta de Paulo aos Efésios, traduzido pelo Rev. Valter Graciano Martins e publicado pela Editora Fiel. Em tempos de tanta superficialidade bíblica e ignorância histórica e teológica, a leitura deste comentário (bem como de qualquer outro da lavra do reformador) se faz necessária tanto para aproximar o leitor do século XXI ao pensamento do reformador de Genebra quanto para (principalmente!) aproximá-lo do real significado prentedido pelo autor do texto sagrado – significado o qual Calvino, em cada linha escrita, se esforça por trazer a lume.

Para participar do sorteio, basta deixar um comentário a este post com a frase “EU QUERO!”,  que deverá ser seguida por um breve motivo (Ex.: “EU QUERO!, porque não possuo nenhum comentário bíblico dessa carta”, etc.). Àqueles que ainda não possuem nada do Exegeta da Reforma, essa é a oportunidade de finalmente tê-lo em sua estante, pois até mesmo o envio do livro será totalmente sem custos para o vencedor do sorteio. Por isso, COMENTA LOGO!

Soli Deo Gloria!

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Um trecho do livro pode ser lido aqui.

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quarta-feira, 25 de maio de 2011

“Hoje, o céu está mais interessante”…

Eduardo China 1Foi esta a mensagem que recebi hoje pelo celular sobre o falecimento de um grande amigo meu, o missionário Eduardo Luna (foto ao lado), que não resistiu às complicações renais contra as quais já lutava há anos. Fiquei muito abalado com a notícia que chegou assim, de supetão – como geralmente se dá –, mas logo aquiesci depois que me lembrei da glória que está reservada àqueles que entregam suas vidas ao Doador da Vida. Sim, hoje o céu está mais interessante (quem lê, entenda), embora não mais do que o céu que ainda virá…

“China” (como era mais conhecido) era não apenas um missionário, mas um incansável obreiro. Não obstante sua fragilidade física bastante notável (quão magro ele era!), sua alma anelava por ver acontecer a obra do Senhor. Devo confessar que nunca vi alguém tão frágil mas tão incansável na obra do Senhor quanto ele. Lembro com saudades dos tempos em que saíamos para evangelizar os perdidos em nosso bairro; das vezes em que fomos ao campo de Limoeiro, município do interior de Pernambuco, onde ele foi missionário por uns anos; e de quando nos reuníamos para louvar ao Senhor com singeleza de coração. Inclusive, ainda tenho em minha bíblia um manuscrito dele; na realidade, uma programação de culto que realizamos naquele campo. Também lembro com saudades das vezes em que fui visitá-lo no leito de um hospital (na realidade, visitei-o mais quando seu leito era domiciliar mesmo), pois ele sempre nos transmitia a confiança de alguém que sabia em Quem cria, e para onde iria caso não acordasse mais. Sim, nosso China era forte como um leão! E talvez seja essa a imagem mais marcante que ficará na memória daqueles que o conheceram: sua fé era contagiante!

Recentemente ele estava internado, mais uma vez. E, mais uma vez, todos esperavam que Deus o livrasse novamente. Mas isso não aconteceu, e o nosso Eduardo parte para a glória aos 36 anos de idade. Da última vez que o vi, seus cabelos já estavam ficando brancos devido à doença, que fazia com que seu corpo lhe aparentasse mais idade. Só fiquei sentido por não ter ido visitá-lo em minhas últimas férias (nossos últimos contatos foram pela internet). Lamento também o fato de eu não estar lá para ir ao seu enterro. Mas até nisso Deus é Consolador, visto que me trouxe à memória que o que importa é que os laços que me unem ao China são muito mais fortes do que um literal abraço. Devo me sentir feliz por isso, e muito mais por saber que ainda o verei num Lugar onde hemodiálises não serão mais necessárias; onde não haverá dor, ou choro, ou luto (cf. Ap 21.4). E isso graças Àquele que matou a morte: Jesus Cristo!

À família Luna e aos seus amigos os meus sinceros sentimentos. Oremos uns pelos outros, para que Deus continue nos dando forças. O Eduardo deixará saudades, é verdade. Mas bom é saber que saudade nenhuma é maior do que a convicção de que ele está bem, e muito bem. Afinal de contas, partir e estar com Cristo é infinitamente melhor (Fp 1.23).

Soli Deo Gloria!

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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Cosmovisão e santidade no Salmo 119.9

.:: Publicado originalmente no 5 Calvinistas ::.

De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua palavra.
De todos os cento e setenta e seis versículos do Salmo 119, o versículo supracitado talvez seja um dos que mais me tenha chamado a atenção durante minha curta trajetória cristã até aqui. Pureza no viver e apego às Escrituras são duas coisas que sempre extraí como grandes lições desse texto. Só que domingo passado algo diferente me saltou aos olhos. Diferente digo, novo. Bom, novo pelo menos para mim.

Confesso que eu nunca havia atentado detalhadamente para a resposta que o salmista dá para a pergunta que ele mesmo levanta. "Observando-o segundo a tua palavra": a quem se refere o tal pronome oblíquo aqui? Ora, se não é ao "caminho"!

Isto posto, temos que o texto não fala apenas de pureza no viver e apego às Escrituras, como eu pensava, mas também à necessidade de se ter uma sólida cosmovisão cristã. Isso mesmo: devemos observar as coisas ao nosso redor sob o ótica de Cristo, uma vez que temos a Sua mente (cf. 1 Co 2.16). Não podemos guardar puro o nosso caminho fingindo que nada está acontecendo ao nosso redor. Aliás, o próprio Jesus não deseja que sejamos alienados do mundo para que nos encontremos santos, mas que sejamos guardados do mal pelo poder de Deus (Jo 17.15) - o que implica necessariamente em confronto com as outras visões de mundo que reclamam a Verdade para si.

É assim que o cristão - agora independente da idade - poderá se guardar das contaminações deste mundo mau (mesmo sem nunca ter ouvido falar nesse troço de "cosmovisão", muito menos que ele se encontra até em salmo da Bíblia!).

Soli Deo Gloria!


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terça-feira, 26 de abril de 2011

O "pressuposicionalismo" que eu não quero

Enquanto penso mais um pouco sobre a questão do pressuposicionalismo (já ventilei sobre o tema aqui, e ainda pretendo escrever mais sobre isso em breve), aqui vai uma mostra daquilo que abomino em certos "pressuposicionalistas". Vejam o vídeo e entendam o que quero dizer.



Como diria Chesterton, "um herege é um homem cuja visão das coisas tem a audácia de diferir da minha". Ops, citei um católico? Putz! Será que vou ter o mesmo destino do carinha do vídeo também? Nãããããããã... pluct!

SDG!
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quarta-feira, 20 de abril de 2011

Sobre tombos, ameaças de demissão e as orações dos santos

Ontem eu recebi duas más notícias ao mesmo tempo. Enquanto um irmão da igreja ligava pra minha esposa pra dizer que sua esposa havia levado um tombo, tomando um corte de mais ou menos 10 cm na cabeça, minha mãe me ligava pra dizer que violaram o pacote de dinheiro do meu irmão -- que foi recém contratado para uma empresa de ônibus para a função de cobrador -- quando da prestação de contas. O pior de tudo é que, se meu irmão não ressarcisse o dinheiro, seria demitido.

Tudo isso aconteceu a poucos minutos da reunião de doutrina aqui da nossa igreja, onde estou trazendo os estudos. Confesso que fiquei desorientado. Orei para que Deus tivesse misericórdia da irmã que levou um tombo, do meu irmão que foi lesado, e de mim, que estava prestes a ministrar a Palavra. Chegando à igreja, orei com os irmãos por essas e outras causas. E posso dizer que Deus nos ouviu! Fui visitar a irmã que tomou um corte, e ela passava bem (sim, ela já é de certa idade). Quanto a meu irmão, acabei de ligar pra ele, ele me disse que está confirmado no emprego.

Soli Deo Gloria!
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sexta-feira, 15 de abril de 2011

O discipulado cristão e a Missão Pressuposicionalista

Sem dúvida, foi lamentável o fato de que os nossos “pensadores” cristãos, antes que a mudança se instalasse [a mudança do paradigma lógico para o dialético] e que o despenhadeiro fosse estabelecido, não tenham ensinado e pregado com base em uma clara compreensão das pressuposições. Tivessem eles agido assim, não teriam sido tomados de surpresa e poderiam ter ajudado os jovens a enfrentar suas dificuldades. Mas a maior ironia de tudo isso é o fato de que, mesmo agora, anos depois de a mudança se completar, muitos cristãos ainda não sabem o que está acontecendo. E isso se deve ao simples fato de que continuam não sendo instruídos acerca da importância de pensar em termos de pressuposições, especialmente no que diz respeito à verdade.

O texto supracitado é de um dos grandes apologistas reformados que o século XX conheceu: Francis Schaeffer[1]. E o tomo emprestado aqui porque penso que ele resume e justifica muito bem a proposta implícita no título deste post. É simples, meus caros: Jesus nos chamou não apenas para sermos, mas também para fazermos discípulos. Como? Indo e pregando o evangelho (Mc 16.15; Mt 28.18-20). Foi este o meio ordinário, a “metodologia” que Deus escolheu para arrebanhar os seus eleitos. Do “ide” deduzimos que o cristão deve negar-se a si mesmo (sim, nossa natureza carnal e preguiçosa não quer ir nunca) e obedecer ao imperativo divino; do “pregai”, que ele deve, como arauto que é, anunciar somente aquilo que recebeu do seu Senhor (cf. 1 Co 11.23); e do “fazei” que, de certa forma, este mesmo arauto deve estabelecer de uma vez por todas, para quem o ouvir, as condições e implicações da mensagem que ele está anunciando. Isso fará com que as pessoas percebam que a mensagem que está sendo anunciada se alicerça não apenas na experiência de quem a vive, mas sobretudo na razão de ser da própria mensagem em si, que é lógica e verdadeira por si só – pois, como diria Calvino, “a verdade está livre de toda dúvida, visto que, sem nenhuma ajuda, ela é suficiente para manter-se”. Isso me leva a crer, portanto, que a única razão realmente válida para alguém se tornar cristão é que o Cristianismo é a Verdade; que está ancorado num alicerce racional, não apenas experimental; e que perto dele as outras “verdades” são reduzidas a nada.

Isto posto, entendo que não há como comunicar fiel e verdadeiramente o evangelho sem que haja confronto, visto que o arauto deve ser fiel tanto no sentido de pregar somente aquilo que recebeu quanto no sentido de anunciar “todo o desígnio de Deus” (At 20.27), sem se envergonhar disso (cf. Rm 1.16). Ou seja: nada ele adultera; nada ele omite. O arauto deve saber que o erro precisa ser demolido e esfarelado, não tolerado. Se é Deus mesmo quem diz que sua Palavra é o “martelo que esmiúça a penha” (Jr 23.29), seus servos não tem o direto de usá-la em uma guerra de travesseiros idiota contra os escarnecedores. Definitivamente, não há a mínima possibilidade de negociação entre a mente perfeita de um Deus santo e a mente decaída de um homem falido. Só uma das duas pode ser verdadeira, visto que mutuamente se excluem. Para o apóstolo Paulo, “seja Deus verdadeiro, e mentiroso todo homem” (Rm 3.4). A essa forma “beligerante” de apologética damos o nome de pressuposicionalismo. Partindo do pressuposto de que “a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35), o cristão primeiramente ataca e destrói as falsas pressuposições que estruturam o pensamento dos incrédulos para depois lhes apresentar o Evangelho como a única “verdade verdadeira” – portanto, a única esperança –, como faziam os apóstolos (cf. At 17.16-34) e o próprio Jesus (Mt 21.23-27; Lc 10.25-37). Aliás, o próprio Deus age isso também, demolindo a estrutura de pensamento das criaturas finitas. Jó é quem nos garante: “Ele apanha os sábios na sua própria astúcia” (Jó 5.13).

Mas infelizmente, como Schaeffer já se antecipou em apontar, muitos crentes hoje já não sabem mais por onde começar; estão confusos, mesmo tendo provas suficientes de que o mundo em que vivemos está mergulhado num terrível caos de ordem intelectual, moral e espiritual. Isso deveria fazer com que eles se engajassem naquilo que eu chamaria de Missão Pressuposicionalista, mas não é isso o que acontece. Não me admira o fato de que muitos estejam comprometidos com a agenda do relativismo, do politicamente correto, da tolerância. Não me admira o fato de que eles queiram “paz”, e não guerra. Mas eles esquecem de que foram arregimentados para a guerra; a maior das guerras: a guerra pela Verdade. Mas o fato é que muitos ainda não se deram conta disso. Como bem disse o profeta Jeremias, eles “curam superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz” (Jr 6.14). É por essas e outras que eu não consigo aceitar que tantos que dizem amar a Verdade sejam tão apáticos e omissos em defendê-la. Se estão mesmo sentados aos pés de Cristo, deveriam ao menos perceber quando Lhe ferem o calcanhar! Mas nem isso fazem. Parecem mais os discípulos no Getsêmani: dorminhocos, fracos, de “olhos pesados”; incapazes de observar que “o traidor se aproxima” (Mt 26.36-46). Não deve ser essa a postura daqueles que são santificados pela Palavra da verdade (cf. Jo 17.17).

Como cristãos que amam a verdade acima de todas as coisas, devemos estar preparados não apenas para falar do amor de Deus, mas para explicar porque esse amor é verdadeiro. Quando alguém nos questiona o porquê da nossa fé e porque ele também deve crer em Cristo, devemos estar prontos não apenas para convocá-lo ao arrependimento, mas também para lhe mostrar de forma razoável a necessidade disso tudo. Até podemos nos despedir dos incrédulos deixando-lhes a impressão de que somos loucos, é verdade (uma vez que a pregação é mesmo loucura para os que se perdem), mas não podemos usar isso como uma desculpa para a nossa preguiça intelectual. Deus não nos chamou para sermos suicidas intelectuais – para “cortar o galho em que estamos sentados” –, mas para santificar a Cristo como Senhor em nosso coração, “estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3.15). Agindo dessa maneira, estaremos agradando Àquele que nos confiou a sublime missão de levar a Sua liberdade aos cativos.

“Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a verdade e vestindo-vos da couraça da justiça. Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz; embraçando sempre o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 5.14-17).

A Armadura está aí. Cabe a cada um de nós, soldados-discípulos, vesti-la e nos engajarmos no combate. A “Missão Pressuposicionalista” nos espera. Avante, pois!

Soli Deo Gloria!

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[1] SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervém. Cultura Cristã, 2002. p. 24.

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terça-feira, 12 de abril de 2011

Sobre o (estranho) hábito de comer sofás

Enquanto eu me acabava de rir com uma notícia que li sobre uma mulher viciada em comer espuma de sofá, eis que surge o Esli Soares com uma sacada daquelas de tirar leite de pedra. Assim disse ele:

Um retrato pra lá de inusitado da nossa geração! ou seja, nossa falácia, nossa suposta erudição, nosso autodeterminismo, a nossa arrogante ideia de q somos seres evoluídos, que não precisamos mais de um Deus, é como a doideira dessa dona, nada mais q se empanturrar de inutilidade e destruímos o lugar onde sentamos... o tombo será inevitável!

De fato, o suicídio intelectual tem sido a práxis desse mundo decaído. Nas palavras do apóstolo Paulo, "inculcando-se por sábios, tornaram-se loucos" (Rm 1.22). O deus deste século embotou o paladar dos incédulos (cf. 2Co 4.4). Só mesmo a "suprarracionalidade" da Graça para nos livrar dessa autofagia idiota!

Valeu, Esli! E Soli Deo Gloria!




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quarta-feira, 30 de março de 2011

Panorama de 1ª João - Sermão

Este sermão é o primeiro da série As implicações práticas de uma confissão firme - Exposições em 1ª João, que estamos pregando aqui na 1ª Igreja Presbiteriana de Santarém-PA. O áudio não está lá essas coisas, mas dá pra ouvir.



Soli Deo Gloria!
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sexta-feira, 25 de março de 2011

Nada como um dia após o outro...

"Mas, no primeiro dia da semana, alta madrugada, foram elas ao túmulo, levando os aromas que tinham preparado. E encontraram a pedra removida do sepulcro; mas, ao entrarem, não acharam o corpo de Jesus" (Lc 24.1-3).

Soli Deo Gloria!
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sábado, 19 de março de 2011

Lulu Santos e o Novo Calvinismo

lulusantos2Sem querer aumentar ainda mais o celeuma em torno das fervorosas discussões sobre o Novo Calvinismo (NC), e já correndo o risco de ser considerado como alguém totalmente avesso ao movimento (o que não é verdade, evidentemente), vou revelar aqui uma brincadeira que fiz alhures (via chat) com alguns colegas quando me referi àquela que poderia ser a modinha dos novos calvinistas. Trata-se da música O último romântico, de Lulu Santos, que assim reza em seus versos iniciais:

Faltava abandonar a velha escola/ tomar o mundo feito Coca-Cola.

É claro que não se trata de nenhuma análise “séria” do movimento, haja vista o elemento lúdico embutido na própria comparação em si. Sim, fiz isso mais como quebra-gelo mesmo, e até pensei se valeria a pena mesmo o post. Mas em que se pese essa proposta de ruptura com as velhas formas (ou, o velho modus operandi, de repente) e a consequente propagação de uma mensagem mais contextualizada para a cultura na qual está inserida – o ser “missional”, no caso do NC –, penso que a relação que fiz tem lá a sua validade, o que torna o este post, digamos, “publicável”, segundo penso.

Mas se é pra falar de coisa séria, aqui vai uma crítica. E mais uma vez me aproprio da deixa do Lulu, só que agora no que tange ao romantismo. Tenho notado que alguns irmãos que se identificam com o NC tem se deixado levar por uma postura quase acrítica quanto ao movimento, o que faz com que se irritem facilmente quando alguém questiona certos pontos de suas perspectivas. E o pior é que não são exclusivamente os ditos “neopuritanos” quem levantam as questões, mas até mesmo gente que está mais próxima do arraial do Piper do que do arraial do Peter Masters. E é justamente isso o que me preocupa, pois a impressão que tenho é que muitos estão simplesmente pegando arrego numa onda que nem bem sabem o que é, mas que já se apressam em defendê-la com unhas e dentes. Temo também que essa atitude irrefletida de alguns, somada aos seus ânimos acirrados pela "oposição", possa interferir de forma trágica no resultado pretendido por eles próprios, o que não seria nada bom para o calvinismo no Brasil. Para que seja um movimento realmente frutífero e duradouro [olha eu palpitando aí, gente!] – e não apenas um modismo –, é preciso que os novos calvinistas juntem o ouro, a prata e as pedras preciosas do que há de melhor na tradição reformada, largando de mão as madeiras, fenos e palhas de nossos modelos equivocados (cf. 1 Co 3.10-15). É necessário também que se vá com calma, muita calma, para que a noiva não se canse antes do baile.

É por essas e outras que tenho me recolhido ao silêncio nesses dias. Ainda preciso ler muito sobre o assunto para poder me definir como “a” ou “b”, se é que o farei. Mas de uma coisa eu sei: que a Fé Reformada é muito maior do que o Velho ou o Novo calvinismos. Maior até do que o próprio Calvino, como eu já disse alhures. E se porventura estivermos procurando estabelecer A ou B como o padrão último do que venha a ser um verdadeiro reformado, de modo que rompamos com as Escrituras e com a fé legada pelos nosso pais, então seremos achados não apenas os últimos românticos, mas também como os últimos tolos (isto se não deixarmos o mau exemplo para as futuras gerações, que também poderão continuar endossando essa nossa tolice). Que Deus nos dê discernimento!

Soli Deo Gloria!

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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Lendo, aprendendo e compartilhando [1]: "A teologia do apóstolo Paulo", de Herman Ridderbos

Enfim, comecei a leitura de uma das maiores obras reformadas e eruditas sobre o pensamento do apóstolo aos gentios. Estou me referindo ao livro A Teologia do Apóstolo Paulo, de Herman Ridderbos, ex-catedrático de Novo Testamento da Universidade Teológica das Igrejas Reformadas da Holanda (de 1943 a 1978). O livro foi lançado em português pela Editora Cultura Cristã em 2004, tendo sido traduzido direto do holandês por Susana Klassen. Visto que o assunto naturalmente desperta certo interesse e a maioria dos interessados desconhece livros que tratem do assunto à luz da fé cristã histórica, aqui vai um resumo do capítulo 1, no qual Ridderbos vai tratar sobre as Principais linhas na História da interpretação paulina.

Antes de tratar sobre tais vertentes, contudo, Ridderbos faz uma breve introdução, na qual situa o leitor na busca centenária dos teólogos por aquilo que ficou conhecido como o mitte (do alemão, “cerne”; “centro”) do pensamento do apóstolo aos gentios; ou, usando a própria metáfora do autor, “onde se encontra a entrada do imponente edifício da teologia de Paulo” (p. 11).

Ridderbos começa abordando a posição clássica da Reforma quanto ao mitte do pensamento de Paulo, a saber, a doutrina da justificação pela fé, que foi inferida basicamente da leitura que os reformadores (especialmente Lutero) fizeram da carta de Paulo aos Gálatas e aos Romanos. Mas apesar de citar tal doutrina às expensas dos seus dois principais advogados, Lutero e Calvino, a principal intenção de Ridderbos é mostrar como essa perspectiva clássica foi perdendo a sua força. Para o autor, a grande virada aconteceu por conta da infuência do pietismo, do misticismo e do moralismo, que moveram a ênfase reformada do grande “acontecimento redentor que aconteceu na morte e ressurreição de Cristo” para o “processo individual de apropriação da salvação concedida em Cristo e seu efeito místico e moral na vida dos crentes” (p. 12). E isto, certamente, veio a interferir no entendimento das espístolas paulinas, removendo o seu mitte “dos aspectos judiciais para os aspectos pneumáticos e éticos de sua [de Paulo] pregação” (p. 12).

Para o autor, mesmo tendo essa mudança iniciado o método histórico-crítico de exegese (via Iluminismo), ela teve sua importância na medida em que contribuiu para uma melhor distinção e compreensão dos grandes temas teológicos da pregação de Paulo dentro da sua importância original e histórica, mas por outro lado, se mostrou “vergonhosa” por deixar evidente o quanto tais métodos de investigação são determinados pelas premissas religiosas e filosóficas de cada época. Dessa “vergonha”, temos, segundo Ridderbos, o “Paulo hegeliano” da escola de Tübingen; o “Paulo liberal” da teologia liberal; o “Paulo místico” da escola da história das religiões; e o “Paulo existencialista”, propalado por Rudolf Bultmann.

Sua crítica à escola de Tübingen, fundada por F. C. Baur (falecido em 1860), se dá pelo fato de este ter procurado interpretar o Cristianismo a partir dos princípios filosóficos de Hegel (1770–1831), no qual se baseou para buscar o mitte do pensamento de Paulo “não na cristologia, mas na concepção paulina do Espírito e no tema da antítese Espírito [infinito e absoluto] e carne [finita] ligado a essa concepção”. Assim sendo, o próprio Paulo deixa de enxergar a importância de uma argumentação histórica para a sua própria doutrina, uma vez que o próprio Cristo vive nele, comunicando-lhe suas verdades diretamente em sua consciência. Ridderbos observa que “essa ideia de pneuma, no entanto, não é paulina”, visto que Baur precisou mutilar o corpus Paulinum (o conjunto das treze cartas canônicas de Paulo) para que seu esquema desse certo.

Na esteira da escola de Tübingen, a escola liberal também tomou como seu ponto de partida a perspectiva de Paulo sobre o Espírito, só que nos termos da antropologia grega. Seus representantes entenderam que o aspecto jurídico-legal do Cristianismo – incluindo aí a doutrina reformada da justificação pela fé – era, na realidade, originário do judaísmo, ao passo que o aspecto ético-místico encontrava suas origens no pensamento greco-helenista. Em outras palavras, isso significa que quando Paulo escreve que os crentes estão “em Cristo” ou “com Cristo”, “essa comunhão é vista como um misticismo voltado para a ética, não como uma inclusão objetiva de crentes em Cristo” (p. 16). Como observa Ridderbos, “tudo é dirigido a um esforço de se reduzir a teologia e a religião de Paulo a uma religiosidade ética-racional geral que não depende de fatos redentores” (p. 18), o que acaba criando, invevitavelmente, uma separação entre Jesus e Paulo, transformando este último numa espécie de tradutor dos conceitos da cultura semítica para a cultura grega. Para Ridderbos, essas ideias nos remetem ao auge do liberalismo, que encontra em J. H. Holtzmann o seu maior expoente.

Mas essas ideias não perduraram por muito tempo, segundo Ridderbos, visto que as investigações que se seguiram por outros teólogos liberais mostravam a impossibilidade de o esquema “espiritualizante” de Holtzmann manter-se de pé. Gunkel devolve à cultura judaica o conceito paulino de pneuma; e Wrede reafirma a história da redenção como sendo a espinha dorsal do Cristianismo. Mas nada disso deve nos animar quanto a esse tipo de liberalismo que se seguiu, visto que, como aponta Ridderbos, Jesus de Nazaré ainda continua sendo visto “apenas como uma figura humana, independentemente dos elevados patamares espirituais que tenha alcançado” (p. 20).

Ridderbos também faz uma crítica à abordagem da história das religiões, que prega que Paulo se apropriou das ideias e dos fenômenos religiosos do helenismo de sua época (bem como daquele sincretismo vigente) para formar seu pensamento teológico. Seguno tal escola, Paulo tomou emprestado dos chamados “mitos cultuais” (como o de Ísis e Osíris e o mitraísmo, por exemplo.) suas concepções relativas aos atos sacramentais, bem como à expiação e ressurreição de Cristo. Assim sendo, tal escola entendia Paulo como “o maior dos gnósticos”, graças ao estudioso clássico literário R. Reintzenstein (p. 25). Bultmann também é enquadrado aqui nessa escola por conta de sua proposta “existencialista”, segundo Ridderbos (p. 30-31).

Ao avaliar a intepretação escatológica de Schweitzer, Ridderbos reconhece algum valor na mesma, visto que, apesar de este também mutilar o corpus paulinum, pelo menos coloca toda a sua ênfase no caráter histórico-redentor da salvação pregada por Paulo.

Avaliando todas as perspectivas a que se propõe, Ridderbos prefere a interpretação escatológica, (não nos termos do Schweitzer!) pois, segundo ele, ela faz mais jus àquilo que ele sugere como sendo o mitte da pregação de Paulo: a proclamação e explicação do tempo escatológico da salvação que teve início com o advento, a morte e a ressurreição de Cristo – perspectiva que ele aprofundará no segundo capítulo. É ler para ver!

Soli Deo Gloria!

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