segunda-feira, 5 de março de 2012

Que será dos que nunca ouviram? Uma breve confissão

Esse é um assunto que sempre me incomodou bastante, a saber, o destino eterno daqueles que nunca ouviram falar de Cristo. Deixando de lado se os tais ainda existem hoje (particularmente, penso que haja) e outras questões parecidas, bem como as várias perspectivas sobre o assunto, vou logo resumir a minha posição: todos os eleitos, fatalmente, ouvirão acerca de Cristo por meio da pregação da Sua Palavra. Nem todos os que ouvem são eleitos, obviamente, mas todos os eleitos ouvirão. Ainda que digamos que cabe somente a Deus julgar tais pessoas, não somos autorizados, pelas Escrituras, a pensar que poderá ser salvo quem nunca ouviu de acerca de Cristo, uma vez que "a fé vem pelo ouvir" (Rm 10.17), sendo esta mesma fé um dom de Deus exclusivamente para os Seus eleitos (cf. Tt 1.1). Estes, por sua vez, vem a Cristo pela pregação (cf. 2 Ts 2.13, 14).

Há de se questionar em que consiste essa "pregação". De pronto, rejeito a perspectiva segundo a qual a revelação geral (criação, cultura, moralidade, etc.) é suficiente para a salvação, pois, se assim fosse, a fé em Cristo seria necessária apenas para alguns (sinceramente, não creio na revelação geral nem como meio salvífico extraordinário). Nesse quesito, penso em Cornélio, centurião romano sobre o qual se diz ter sido "piedoso e temente a Deus" (At 10.2), mas que precisou ouvir explicitamente acerca de Cristo por intermédio do apóstolo Pedro para ser salvo (ver todo o capítulo 10 de Atos). Rejeito, também, a noção segundo a qual a pregação pode ser entendida como o exemplo de vida dos cristãos ("conversão pelo exemplo", tão propagada pelos pietistas e místicos medievais), pois nossas vidas não podem ser melhores do que a pregação viva da Palavra de Deus.

Há, ainda, um equívoco a ser corrigido, e este tem a ver com a relação entre Decreto e Providência. Novamente citando o caso de Cornélio (somente para não citar todos os eleitos), não podemos dizer que ele já era salvo antes de ouvir a Palavra. Pelo decreto, sim, ele já constava entre os eleitos, mas não pela Providência, haja visto não ter chegado ainda o tempo da concretização do decreto. E o que é a Providência, senão os meios que Deus usa para alcançar aquilo que Ele decretou? Nesse caso, Cornélio precisou, na História, ouvir a Palavra, sendo regenerado pelo Espírito para que pudesse, então, crer e ser salvo.

Assim sendo, creio ser a pregação o meio providencial responsável por infundir fé no coração do eleito. Só a pregação? Bem, como já falei acima, se há exceções elas não são especificadas pelas Escrituras, pelo que me reservo ao direito de me ater apenas àquilo que nos é afirmado pela Revelação como regra, em vez de especular sobre a exceção. E me valho, aqui, do pertinente comentário de Calvino a Romanos 10.14 (..."e como ouvirão, se não há quem pregue?"). Ele diz que "o que Paulo está descrevendo aqui é somente a palavra pregada, pois este e o modo normal que o Senhor designou para comunicar sua Palavra. E se se argumenta, à luz desse fato, que Deus não pode dar-se a conhecer entre os homens só por meio da pregação, então negaremos que isto era o que o apóstolo pretendia transmitir. Ele estava transferindo somente a ordinária dispensação divina, e não pretendia escrever uma lei à sua graça" (ênfase minha). E me é muito claro, ainda na Escritura, que Deus sempre envia Seus arautos para os lugares em que há eleitos Seus para serem alcançados (cf. At 18.10; 13.48; Jonas e os ninivitas, etc.). Novamente citando o reformador francês (agora em seu comentário a Romanos 10.15 - "e como pregarão se não forem enviados"), "quando alguma nação é agraciada com a pregação do evangelho, tal fato é uma garantia do amor divino".

Por último, não penso que este seja o típico assunto que deva ser relegado apressadamente ao "mistério", como se as provas bíblicas acerca dele fossem insuficientes ou inexistentes. O máximo que posso dizer quanto aos que nunca ouviram é que cada um será julgado de acordo com a resposta que deu à luz que teve, mas não para uma possível absolvição. Para o quê, então? Bem, embora eu tenda a crer aqui em possíveis níveis de sofrimento no inferno (cf. passagens como Mt 11.22, 24; Lc 12.47, 48; 20.17), prefiro não arriscar ir além daquilo sobre o que a Escritura não lança senão faíscas.


Soli Deo Gloria!

 

 

 

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4 comentários:

Roberto Vargas Jr. disse...

Ae, Leo, segue o comment do Heregezz:

"Eu já respondi ao Leo no FB. Aqui, entretanto, a coisa tomou outros ares...
Eu não afirmo categoricamente que quem não ouvir não será salvo. Afirmo que não temos autorização para dizer que alguém seria salvo sem ouvir, o que é diferente, pois Deus pode salvar um que não ouça, se quiser. Isto é, deixo qualquer veredicto de salvação por conta de quem realmente pode salvar.
Mas também confesso que pensei no "ouvir a pregação" como ter algum contato com o livro (pois é este o ouvir que tudo que o Leo disse me sugere), não importa como. Ampliando, porém, o contexto de pregação para o conteúdo do livro (ou o objeto mesmo dele), então, exceto talvez por alguns infantes (se é que, neste sentido, não ouvem), o ouvir acaba por se mostrar uma necessidade que se impõe.
Ainda assim acho que penso diferente do Leo. Pois este ouvir que entendo ainda pode ser, algum, digamos, contato divino direto, embora não seja mesmo o ordinário, ao menos nos dias de hoje e até onde não me é oculto. E, ora, toda conversão não é, afinal, o ouvir a voz do Espírito? Bem, neste sentido eu também faria a afirmação categórica.
Também cabe dizer que concordo que, e isto deveria estar claro, a revelação especial, tome a forma que tome, é necessária, pois a geral é insuficiente dada nossa natureza caída."

Mizael Andrade Reis disse...

Olá Leonardo,

Excelente resumo sobre a posição com a qual faço coro com você. O restritivismo é de fato a posição bíblica. Sem cristo só resta a senda a ser trilhada rumo à perdição.

Cristo o abençoe.

Mizael

Jorge Fernandes Isah disse...

Léo,

você foi sucinto e certou no ponto. Sem a proclamação do Evangelho, não há como conhecer a Cristo, e sem conhecer a Cristo, não há salvação. Também faço coro com o fato de que Deus providenciará aos eleitos que eles ouçam, infalivelmente, o Evangelho para a conversão. E Deus é quem os colocará em contato com a palavra.

Há a hipótese do que disse o Heregezz, de Deus "pregar" diretamente para o eleito, mas, como ele mesmo disse, é melhor deixar a questão com o único que pode realmente salvar: Cristo.

Grande abraço!

Cristo o abençoe!
PS: Mizael, agora sei por onde anda... Mudou-se para o Nordeste [rsrs]. Abração!

Casal 20 disse...

Leonardo, parabéns pelo ótimo texto. Li lá no "Guerra pela Verdade" do Jorge. Parabéns pela clareza e pelo texto simples e verdadeiro. Assino embaixo!

Abraços sempre afetuosos.

Fábio.

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