Publicado originalmente no 5 Calvinistas.
Pegando carona num excelente texto escrito pela Norma Braga há uns quatro anos (leitura mais que obrigatória!), vou arriscar aqui mais algumas palavrinhas sobre os palavrões.
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Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, e sim unicamente a que for boa para a edificação, conforme a necessidade, e, assim, transmita graça aos que ouvem.Efésios 4.29.
Deveria ser justamente o oposto, mas não é raro ver cristãos
simpáticos à ideia de que é perfeitamente válido ao crente falar palavrão, sob a
desculpa de que “extravasar faz bem para o corpo e para a alma”, dentre outras
coisas. Afinal de contas, “ninguém é de ferro”. De fato, ninguém o é. Mas
escusar-se nisso é deveras pecaminoso, visto que o padrão maior, que é Deus, não
é contemplado. E é muito triste observar que essa mentalidade é bastante comum
em nosso meio. Outro problema é que nem sempre o palavrão é oriundo de um pico
de fúria, mas inclusive das conversas amistosas, nas quais um
palavrãozinho acaba se tornando “imprescindível” para que o papo fiquem ainda
mais “interessante” – o que acaba sendo ainda pior em se tratando de uma rodinha
de crentes.
É bem verdade que Paulo fez essa associação entre palavra torpe
(“palavrão”) e explosões de raiva, no versículo 26 (não vou discorrer sobre
tal verso aqui, visto que já tratei dele em outro post), mas, como já disse, esta não é a única
associação possível. E aqui chamo a nossa atenção para a perspicaz observação da Norma Braga: “todos os
palavrões, dos menores aos maiores, têm algo em comum: remetem
invariavelmente ao sexo”. (Particularmente, não conheço nenhum palavrão que
fuja a essa regra). Mas será que é este o sentido empregado por Paulo na
referida passagem? Teria ela conexões com aquilo que hoje entendemos por
palavrão? Existia palavrão no século I?
No grego, a palavra traduzida por torpe é
sapros, que significa, literalmente,
podre, sem proveito, e foi usada apenas por
Jesus e Paulo. Cristo a usou como metáfora para a “árvore má”,
a qual produz somente frutos maus (Mt 7.17ss; 12.33; Lc 6.43),
e para os peixes “ruins” que são deitados fora do cesto (Mt
13.43). É evidente que o uso que Jesus fez dela não tem conexões diretas com a
questão da sexualidade, visto que em suas falas Ele nunca se preocupou em dar
esse tipo de especificação. Contudo, Jesus era bem específico numa coisa: em
apontar o coração como a fonte de tudo aquilo que arruina o homem, incluindo
os pecados sexuais (Mc 7.18-23). Assim sendo, o sentido esposado por Paulo
se sustém, pois não há boca que sobreviva com uma dieta a base de palavras
podres.
Na realidade, o entendimento de que Paulo, aqui, se refere à
linguagem libidinosa pervertida não é novo. Por exemplo, Calvino, comentando a
passagem em foco observou que esse termo usado pelo apóstolo se refere a
“tudo aquilo que provoca excitamento erótico que costuma
infeccionar a mente humana com a luxúria” – o que para nós
é um sinal de que nos tempos do reformador os palavrões também estavam ligados
ao sexo (ou, à deturpação deste). Alguém poderia argumentar que Calvino, aqui,
escreveu pensando em sua própria época, e não na de Paulo. A estes respondo com
textos como Romanos 1.26-27, 1 Coríntios 5 e 6.12-20, onde o apóstolo nos dá
alguns detalhes do que era a imoralidade sexual de seu tempo, o que me leva a
crer que a época em que ele viveu não era menos podre de linguagem do que o
século XVI ou o século XXI. No entendimento do reformador, Paulo não está
falando apenas de palavras vazias e bobas, mas de palavras podres e carregadas
de imagens sexuais. Obviamente, são muitas as palavras e coisas que nos provocam
esse tipo de excitamento apontado por Calvino, e é razoável aceitarmos que elas
são alvo de Paulo nesse texto. Mas não nos enganemos, pois até mesmo palavras
“inocentes” podem assumir a forma de um palavrão, pois o pecado, como já vimos,
não começa na boca, e sim no coração. Por esse motivo é que devemos extirpar de
nossas disposições mentais tudo aquilo que porventura nos remeta a tais
pensamentos (cf. Fp 4.8-9), fugindo, assim, de toda a aparência do mal (1 Ts
5.22).
Em resumo, considerando a admoestação do apóstolo, deveríamos
fazer os seguintes questionamentos acerca do palavrão, caso ainda queiramos
considerar a sua legitimidade:
-
ele verdadeiramente promove a edificação (pessoal e coletiva)?
-
ele verdadeiramente transmite graça aos que o ouvem?
Particularmente, penso que palavras podres e imorais
jamais promoverão a edificação pessoal ou coletiva, visto que são fruto
de uma árvore mau desde a sua raiz. De um coração tomado de pensamentos impuros
não pode sair coisa boa. As obras da carne nada podem edificar senão a própria
carne (cf. Gl 5.16-21). Por este motivo, tais palavras são incapazes de
transmitir graça às pessoas que nos rodeiam. Em vez de graça, transmitem
desgraça: mau testemunho, incitação à violência, ao sexo pervertido e por aí
vai. É por esse motivo que Paulo diz para não darmos lugar ao diabo (Ef 4.27), o
verdadeiro pai de toda podridão. Estejamos, pois, alertas, antes que o Senhor
nos lave a boca com algo muito pior do que o sabão com que nossos pais nos
ameaçavam.
Soli Deo Gloria!
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