quinta-feira, 7 de julho de 2016

As consequências ecumênicas da paz


Por Carl Trueman

Muitos leitores deste blog ficarão felizes por não terem se apercebido de uma tempestade que irrompeu recentemente entre os protestantes conservadores a respeito da doutrina da Trindade. Aos interessados nos detalhes, o site Christianity Today apresenta um bom relatório das discussões aqui. À medida que a poeira baixa, fica evidente que alguns teólogos evangélicos influentes vêm, por décadas, advogando uma visão da Trindade que radicalmente subordina o Filho ao Pai na eternidade e, muitas vezes, rejeita a ideia da geração eterna. Eles usaram esta doutrina revisada de Deus para defender a subordinação das mulheres aos homens no presente de uma maneira que, em algumas ocasiões, tem tido consequências pastorais terríveis.

O que este debate recente tem revelado é que o protestantismo conservador está fundamentalmente dividido acerca da identidade de Deus. Alguns protestantes conservadores são fiéis à doutrina ecumênica da Trindade conforme expressa no Credo de 381; outros desejam usar a retórica nicena, mas na verdade sustentam posições que se opõem ao Credo. As reações a esta revelação têm variado: vão do compromisso sério e construtivo à perplexidade de que ninguém atribuiria alguma importância a uma doutrina complicada como a Trindade. Quais são, então, as implicações? 

Parece claro que a ala evangelical do protestantismo conservador tem sido edificada sobre uma miragem teológica. Geralmente, o evangelicalismo se concentra no biblicismo e na salvação como dois de seus maiores fundamentos e considera que eles transcendem os limites denominacionais, apontando para uma unidade mais profunda. Mas agora está evidente que, qualquer que seja a concordância que possa haver sobre essas questões, existe uma ruptura mais fundamental sobre a própria identidade de Deus. Isso, consequentemente, aponta para uma série de outras discordâncias implícitas sobre, por exemplo, hermenêutica, o papel dos credos e confissões, a importância e significado da história e a utilidade das categorias teológicas clássicas.

A consequência da falha passada em enfatizar esta discordância básica acerca da Trindade é que todas essas questões concomitantes têm sido desviadas para as margens do discurso evangelical. Além do mais, a doutrina da salvação tem sido dissociada da doutrina de Deus e priorizada sobre ela de uma maneira que é teologicamente desastrosa e inconsistente com a história da ortodoxia. Ela também tem, como Christopher Cleveland observou, marginalizado e até mesmo abolido as próprias categorias que a igreja desenvolveu para a transmissão da ortodoxia de geração em geração.

Mas talvez, agora que essa situação está clara, possamos aguardar por novas e construtivas abordagens para a vida e teologia protestantes. Talvez seja o momento para aqueles protestantes que divergem a respeito desta mais fundamental e distintiva das doutrinas cristãs encararem as implicações e amigavelmente seguirem seus caminhos em separado. O evangelicalismo, do jeito que está construído hoje, devia ser demolido, porquanto há muito pouco conteúdo teológico que o mantém coeso. Seus diversos membros constituintes podem encontrar novos padrões de diálogo e cobeligerantes eclesiásticos. Nesse espírito, ofereço uma proposta ecumênica e algumas questões ecumênicas (para as quais não tenho respostas nesse momento, mas que acredito que devem, contudo, ser levantadas).

Em primeiro lugar, a proposta ecumênica. Os protestantes confessionais – aqueles cujas igrejas explicitamente adotam uma das grandes confissões protestantes dos séculos dezesseis ou dezessete e que avaliam as formulações ortodoxas clássicas como sendo fiéis à Escritura – deviam concentrar sua atividade ecumênica em dialogar e trabalhar com aquelas denominações que compartilham de seus compromissos mais básicos, especialmente para com a identidade trinitariana nicena de Deus.

No início deste ano, eu era o palestrante reformado solitário numa conferência da Lutheran Church-Missouri Synod (LCMS). Apesar das nossas diferenças, foi bom estar em um ajuntamento onde não somente a Bíblia, mas também a história, os distintivos denominacionais e o Credo eram estimados; onde a liturgia refletia a seriedade da mensagem do evangelho; onde os representantes pensavam confessionalmente; e onde falávamos a mesma linguagem teológica e eclesiástica. No momento, também estou trabalhando em um livro com o amigo e teólogo da LCMS Bob Kolb, apresentando os pontos em que luteranos e reformados concordam e divergem, sem banalizar as diferenças. Tal engajamento é possível precisamente porque Bob e eu estamos radicados em uma fé católica comum. O diálogo confessional reformado com luteranos confessionais pode, não obstante, produzir muito fruto, e ele certamente possui validade histórica e teológica.

Este princípio, naturalmente, aplica-se não apenas ao diálogo reformado-luterano. Lá fora, há outros grupos que também subscrevem as confissões puro-sangue da Reforma. Nós, reformados e presbiterianos, talvez devêssemos, neste momento, mostrar algum amor aos Batistas de 1689. De todos os grupos protestantes, foram eles os que mais contribuíram para a doutrina de Deus ao longo dos últimos anos e nos deram alguns dos melhores subsídios protestantes sobre a teologia apropriada.

Em segundo lugar, as questões ecumênicas. Que importância há no fato de eu me encontrar, como um trinitariano niceno, compartilhando um credo comum com católicos romanos nesse quesito, ainda que discordando de muitos evangélicos? E por que, em alguns grupos evangélicos, constitui-se traição subscrever qualquer documento teológico com um católico romano com quem os protestantes ortodoxos concordam acerca de Nicéia, ao passo que é absolutamente aceitável mobilizar-se “pelo evangelho” com outros evangélicos que discordam acerca do fator mais básico de todos – quem Deus realmente é?

Só para esclarecer: faço essas indagações não para promover uma agenda ecumênica secreta, mas porque estou sinceramente incerto das respostas; e estarei retornando a elas de vez em quando no futuro. Mas o que parece claro para mim é que os protestantes confessionais precisam pensar longamente e com empenho acerca de suas conexões com o evangelicalismo, concebido aqui de forma ampla. Existem outras opções melhores lá fora. Por exemplo, a catolicidade reformada, do tipo que está sendo delineado por Scott Swain e Michael Allen, parece mais ponderada, ter mais integridade teológica e histórica e sugerir abordagens potencialmente mais frutíferas de compromisso eclesiástico do que faz o nosso atual evangelicalismo inclusivo.

À luz das últimas semanas, o movimento conservador evangelical americano como um todo foi exposto como teologicamente fraco em sua doutrina e historicamente excêntrico em suas prioridades. Conforme a guerra de palavras arrefece, a paz subsequente deve trazer, com ela, consequências ecumênicas. Ela não pode envolver simplesmente dissertações sobre as rupturas óbvias a fim de retornar ao evangelho de sempre.

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Fonte: First Things.
Tradução de Leonardo Bruno Galdino.
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