sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Não desperdice sua privada quebrada! (*)

Antes que alguém me tenha por louco, deixa eu explicar bem grosso modo o porquê do título deste post: minha avó está com câncer, mas ainda não sabe. O médico diagnosticou a temida doença quando ela (minha avó) começou a se queixar de fortes dores no estômago quando se alimentava, de tal modo que quase tudo o que ela comia dava refluxo. Sua cirurgia, então, foi marcada para o dia 24 de janeiro de 2011 (disso ela sabe, embora ainda pense que se trate de um mioma). Tudo isso significa que, dentre outras coisas, minha avó não pode pegar peso, certo? O problema é que a privada de sua casa havia quebrado, e ninguém conseguia dar jeito. Com vergonha de pedir ajuda à minha tia para que esta pusesse um balde d’água no vaso, ela mesma estava enchendo o balde e derramando na bacia. É claro que ela fazia isso escondida da minha tia, que lhe dava umas broncas quando a flagrava. “A médica disse que ela não podia mais sangrar de jeito nenhum, Bruno” – explicou.

Do câncer eu já sabia a algum tempo, mas do detalhe da privada quebrada, não. Fiquei sabendo ontem, quando fui visitar minha avó. Deu na cabeça de dar uma de encanador, e fui no armazém comprar a peça que, segundo meu julgamento (o julgamento de um cara que não entende nada de hidráulica… pode?!), era o problema. Seguindo orientações do vendedor, de qual peça provavelmente era o problema, comprei a borrachinha responsável pela vedação e passagem da água (uma espécie de tampão). Enquanto tentava resolver o problema, conversava com minha tia, que desabafava algumas coisas – desta vez, nada relativo ao problema da minha avó, mas da situação do seu casamento, que não é das melhores. “Não sinto mais vontade de viver. Se não fossem os meus filhos, e não sei o que seria da minha vida”, disse. Agora eram pelo menos três problemas embolados na minha mente naquele instante: o câncer da minha avó, o casamento da minha tia, e a “bendita” privada quebrada. Até que me dei conta de um problema muito mais sério do todos esses três juntos: o pecado. Comecei a evangelizar minha tia, e explicar a ela que não existe sentido para a vida humana fora do Evangelho da Cruz de Cristo. Falei um pouco sobre a ira de Deus, da qual Cristo veio nos libertar (cf. 1 Ts 1.10), e, por consequência, do inferno. “O inferno, tia, não foi, como muita gente pensa, apenas preparado para o diabo e seus anjos, mas para todos aqueles que se rebelam contra Deus”. Nesse instante lhe lembrei das vezes em que ela pregava o evangelho para mim e meus primos quando éramos crianças. Os textos que ela usava? O livro de Apocalipse, essencialmente. E ao som de uma música homônima de Roberto Carlos. “Mas não faça como eu. Pregue o amor, em vez da dor”, disse ela, ao que lhe respondi: “no pain, no gain” (sem dor, sem ganho). Minha tia é afastada da igreja. Minha avó só ouvia a conversa.

Voltei minhas atenções para a privada. Depois de muito fuçar, e fuçar, e fuçar, finalmente concluí o trabalho. E com êxito, graças a Deus! A caixa acoplada voltou a funcionar perfeitamente. Minha avó não precisará mais pegar peso escondida de minha tia, correndo o (grande) risco de sangrar e complicar tudo. Ela me agradeceu muito, e até soltou um “glória a Deus”. De fato, glórias sejam dadas a Ele! Era o mínimo que eu poderia fazer por ela naquele momento, já que não posso intervir na cura daquele câncer que está alojado em seu estômago. Só Deus sabe, mas pode ser que eu não veja mais a minha querida avó quando voltar novamente em Recife de férias no ano que vem. Lógico que eu não quero isso! Mas devo me preparar para o que Deus quiser.

Ela ouviu o evangelho que eu estava pregando para minha tia, e certamente ficou a refletir em suas implicações. Ainda pretendo evangelizá-la mais, pois, independente dos seus setenta e seis anos, ela é uma pecadora que ainda não conhece a Cristo. E minha sincera oração é para que, antes da cirurgia do dia 24 de janeiro, outra cirurgia seja efetuada. Agora falo daquela cirurgia pela qual passou todo aquele que foi regenerado pelo Espírito Santo. Desejo do fundo do meu coração que minha querida vovó chegue à mesma conclusão que Paulo, de que “o viver é Cristo, e o morrer é lucro”; e que “partir e estar com Cristo é incomparavelmente melhor” (Fp 1.21,23).

Orem por ela, irmãos. Seu nome é Isabel. A solução que encontrei para a privada, embora oportuna, é temporária e pouco (para não dizer nada) resolve. Mas a solução de Deus para o verdadeiro grande problema humano é perene.

Soli Deo Gloria!

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(*) Título inspirado num artigo de John Piper, “Não desperdice seu câncer”.

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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Meus livros [2]

fecristawatsonJá faz algum tempo que adquiri, é verdade, mas quero, em tempo, apresentar ao leitores do Optica Reformata esta verdadeira pérola da literatura puritana: A Fé Cristã, de Thomas Watson (Cultura Cristã, 2009). Trata-se de estudos baseados no Breve Catecismo de Westminster, e foi escrito em 1692. Se você deseja um livro que o faça entender porque os puritanos foram verdadeiros gigantes espirituais, compre-o, pois nele vemos o quanto eles, na figura de Watson, eram práticos em suas abordagens e preocupados com a saúde espiritual do rebanho. Se você deseja um livro que o auxilie na preparação de estudos e sermões, também compre-o, pois ele é recheado de recursos homilético-teológicos para quem ensina na igreja (pastores, professores de EBD, líderes de grupos, etc).  Desconheço um livro tão bom nesse aspecto quanto este que ora apresento. E se você, de repente, deseja conhecer um pouco mais de teologia reformada, compre-o ainda mais, pois quem o escreveu constou entre aqueles calvinistas que sacudiram o mundo daquela época. A cada vez que escorrego os olhos por suas páginas me convenço mais ainda que boa parte da atual geração de calvinistas precisa aprender a expor a Verdade com mais clareza, piedade e paixão pelas almas. Leitura mais que recomendada!

Soli Deo Gloria!

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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Quanto custa a cabeça de um presidente de Supremo Concílio de uma denominação evangélica? E quanto custa a de um Chanceler de Universidade?

Muito embora eu ainda não tenha escrito nada até agora sobre a recente polêmica envolvendo a Universidade Presbiteriana Mackenzie (na pessoa do seu chanceler, o Rev. Dr. Augustus Nicodemus Lopes) e os ativistas anti-“homofóbicos” por conta de um manifesto que a referida instituição publicou em seu site (em 2007!) contra o Projeto de Lei que pretende criminalizar a já famigerada homofobia, tenho dado alguns palpites avulsos por aí. E um deles foi recentemente, em meu Google Buzz (ferramenta parecida com o Twitter), onde postei a seguinte frase, por ocasião do manifesto que cerca de quinhentos ativistas anti-“homofóbicos” fizeram em frente à Mackenzie na última quarta-feira dia 24/11/10:

Os manifestantes querem a cabeça do Rev. Augustus Nicodemus a todo custo. E aí, diretoria, vai dar uma de Herodes?

A comparação com Herodes* foi meio forçada e teve a intenção de justamente provocar à reflexão a quem a carapuça servisse – seja à diretoria da Mackenzie, à liderança da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) ou aos evangélicos de modo geral. Mas devo, aqui, dizer que foi uma comparação não apenas forçada, mas injusta. E demais, eu diria. O responsável por me trazer esse “pesar” foi o André Venâncio, blogueiro do Retratos por Escrito. Abaixo, o comentário imediato dele lá no Buzz:

Até onde sei, a cabeça do pr. Augustus está mais grudada no pescoço do que jamais esteve antes da reunião do Supremo Concílio. Ou há algo pós-reunião que eu não estou sabendo?

Minha resposta foi:

André,


Só cutuquei mesmo. Também não sei de nada, mas sei que os manifestantes querem a cabeça do Augustus. Acho que a Mackenzie, ou até mesmo a IPB, deveriam nos tranquilizar emitindo nem que seja uma notinha de imprensa, não achas? Mas até agora não se pronunciaram, pelo menos até onde sei...


Na realidade, como já sabemos, foi o Rev. Roberto Brasileiro quem escreveu aquele manifesto lá, não o Augustus (veja aqui: http://www.ipb.org.br/noticias/noticia_inteligente.php3?id=808). Mas, como presidente de Supremo Concílio da IPB não tem o mesmo status quo de um Chanceler de uma das mais tradicionais universidades brasileiras, digo igual aos "canibais de cabeça" da música Metrô Linha 743, do Raul Seixas: "eu avalio o preço me baseando no nível mental que você anda por aí usando. Aí eu lhe digo o preço que sua cabeça agora está custando" (hehe!). Sendo assim, quanto custa a cabeça de um presidente de Supremo Concílio? E quanto custa a de um Chanceler de universidade? Minha bronca toda é essa. E nem a IPB nem a Mackenzie passam pra dar sequer um "oi". Essa é minha outra bronca.

Vamos por partes. Primeiro, quanto a essa tal reunião. Depois, quanto ao título desta postagem.

Segundo informações do André, ainda via Buzz, houve uma reunião, nesta semana, em que a IPB deu pleno apoio ao Augustus. Não só como presbiteriano, mas acima de tudo como cristão, fiquei muito feliz e tranquilizado com isso, mas só em parte. Por que? Porque ainda não houve uma resolução pública dessa reunião. Mas já que faz tão pouco tempo que ela ocorreu, vamos esperar para ver se vai haver publicação disso. Do contrário, ficarei muito decepcionado (o que não invalidará a injustiça que cometi com a comparação a Herodes, lógico!).

E quanto ao título desta postagem (somente para justificá-lo e dar mais algumas alfinetadas), é aquilo lá mesmo que comentei (logo acima) com o André. Para efeito de repercussão, a cabeça do Presidente do Supremo Concílio da IPB não vale nada, uma vez que é exatamente nessas horas (estranho, não?) que as pessoas batem no peito e dizem que “vivemos num Estado laico”. Elas dizem: “É só um líder de uma das trocentas denominações evangélicas que existem por aí. Não vale a pena queimar munição num cara desses”. Mas em se tratando de um chanceler de uma tradicional instituição de ensino, quanto vale sua cabeça? E ninguém está dando a mínima se a crítica ao texto que gerou toda a polêmica é burra – só querem ver o circo pegar fogo mesmo. É bem mais confortável colocar uma nação inteira contra uma instituição de ensino (daí estão pouco se lixando se ela é confessional ou não) do que contra um grupo de idiotas religiosos, não é mesmo? A isto tudo eu chamaria de “terrorismo ideológico”, sem nenhuma ressalva! Ou será que estou exagerando?!

Espero que tanto a Mackenzie quanto a IPB se manifestem logo, para a tranquilização dos justos e frustração dos ímpios. E que toda essa tribulação prove o ponto de Jesus em Mateus 5.11,12: “Bem-aventurados sois quando, por minha causa, vos injuriarem, e vos perseguirem, e, mentindo, disserem todo mal contra vós. Regozijai-vos e exultai, porque é grande o vosso galardão nos céus; pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós”. Que Deus continue fortalecendo a sua Igreja!

Soli Deo Gloria!

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*Todos conhecem a história envolvendo Herodes e João Batista. João Batista foi metido no cárcere por Herodes quando disse a este que sua situação conjugal era ilícita, já que sua esposa era também esposa de seu irmão Filipe, que ainda vivia. João estava simplesmente pregando o que a Escritura prescrevia (Lv 18.16,20). Herodes temia matá-lo por conta da fama que João tinha de profeta, mas encontrou em sua mulher, Herodias, o mais perfeito capataz. Foi bem simples: a filha dela dançou, Herodes gostou e disse “pede-me o que quiseres e eu te darei”, a moça consultou sua mãe, que por sua vez pediu a cabeça de João Batista num prato, e Herodes concedeu-a (Mc 6.14-29). Interessantemente, o assunto envolvia a sexualidade.

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sexta-feira, 19 de novembro de 2010

UNIVERSIDADE MACKENZIE: EM DEFESA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA

mackenzie1A Universidade Presbiteriana Mackenzie vem recebendo ataques e crítica s por um texto alegadamente “homofóbico” veiculado em seu site desde 2007. Nós, de várias denominações cristãs, vimos prestar solidariedade à instituição. Nós nos levantamos contra o uso indiscriminado do termo “homofobia”, que pretende aplicar-se tanto a assassinos, agressores e discriminadores de homossexuais quanto a líderes religiosos cristãos que, à luz da Escritura Sagrada, consideram a homossexualidade um pecado. Ora, nossa liberdade de consciência e de expressão não nos pode ser negada, nem confundida com violência. Consideramos que mencionar pecados para chamar os homens a um arrependimento voluntário é parte integrante do anúncio do Evangelho de Jesus Cristo. Nenhum discurso de ódio pode se calcar na pregação do amor e da graça de Deus.

Como cristãos, temos o mandato bíblico de oferecer o Evangelho da salvação a todas as pessoas. Jesus Cristo morreu para salvar e reconciliar o ser humano com Deus. Cremos, de acordo com as Escrituras, que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Romanos 3.23). Somos pecadores, todos nós. Não existe uma divisão entre “pecadores” e “não-pecadores”. A Bíblia apresenta longas listas de pecado e informa que sem o perdão de Deus o homem está perdido e condenado. Sabemos que são pecado: “prostituição, impureza, lascívia, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, rivalidades, iras, pelejas, dissensões, heresias, invejas, homicídios, bebedices, glutonarias” (Gálatas 5.19). Em sua interpretação tradicional e histórica, as Escrituras judaico-cristãs tratam da conduta homossexual como um pecado, como demonstram os textos de Levítico 18.22, 1Coríntios 6.9-10, Romanos 1.18-32, entre outros. Se queremos o arrependimento e a conversão do perdido, precisamos nomear também esse pecado. Não desejamos mudança de comportamento por força de lei, mas sim, a conversão do coração. E a conversão do coração não passa por pressão externa, mas pela ação graciosa e persuasiva do Espírito Santo de Deus, que, como ensinou o Senhor Jesus Cristo, convence “do pecado, da justiça e do juízo” (João 16.8).

Queremos assim nos certificar de que a eventual aprovação de leis chamadas anti-homofobia não nos impedirá de estender esse convite livremente a todos, um convite que também pode ser recusado. Não somos a favor de nenhum tipo de lei que proíba a conduta homossexual; da mesma forma, somos contrários a qualquer lei que atente contra um princípio caro à sociedade brasileira: a liberdade de consciência. A Constituição Federal (artigo 5º) assegura que “todos são iguais perante a lei”, “estipula ser inviolável a liberdade de consciência e de crença” e “estipula que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”. Também nos opomos a qualquer força exterior – intimidação, ameaças, agressões verbais e físicas – que vise à mudança de mentalidades. Não aceitamos que a criminalização da opinião seja um instrumento válido para transformações sociais, pois, além de inconstitucional, fomenta uma indesejável onda de autoritarismo, ferindo as bases da democracia. Assim como não buscamos reprimir a conduta homossexual por esses meios coercivos, não queremos que os mesmos meios sejam utilizados para que deixemos de pregar o que cremos. Queremos manter nossa liberdade de anunciar o arrependimento e o perdão de Deus publicamente. Queremos sustentar nosso direito de abrir instituições de ensino confessionais, que reflitam a cosmovisão cristã. Queremos garantir que a comunidade religiosa possa exprimir-se sobre todos os assuntos importantes para a sociedade.

Manifestamos, portanto, nosso total apoio ao pronunciamento da Igreja Presbiteriana do Brasil publicado no ano de 2007 e reproduzido parcialmente, também em 2007, no site da Universidade Presbiteriana Mackenzie, por seu chanceler, Reverendo Dr. Augustus Nicodemus Gomes Lopes. Se ativistas homossexuais pretendem criminalizar a postura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, devem se preparar para confrontar igualmente a Igreja Presbiteriana do Brasil, as igrejas evangélicas de todo o país, a Igreja Católica Apostólica Romana, a Congregação Judaica do Brasil e, em última instância, censurar as próprias Escrituras judaico-cristãs. Indivíduos, grupos religiosos e instituições têm o direito garantido por lei de expressar sua confessionalidade e sua consciência sujeitas à Palavra de Deus. Postamo-nos firmemente para que essa liberdade não nos seja tirada.


Este manifesto é uma criação coletiva com vistas a representar o pensamento cristão brasileiro.

Para ampla divulgação.

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Soli Deo Gloria!

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terça-feira, 16 de novembro de 2010

Breve comentário sobre Mateus 5.20

Por isso vos digo que, se a vossa justiça não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.

Almeida Revista e Atualizada.

Não seria nenhum exagero dizer que a passagem supracitada é o cerne do mais famoso discurso de Jesus, o Sermão do Monte, visto que é exatamente aqui que o Redentor nos avisa que não podemos exercer nenhum tipo de justiça fora dEle, pelo fato de ter sido Ele, e tão somente Ele, Aquele a quem o Pai enviou para cumprir toda a Lei, nada revogando desta (Mt 5.17)*. É por este motivo que jamais haveremos de entrar nos portais celestiais, a menos que estejamos alicerçados em Sua perfeita Justiça (obediência), pela qual importa que sejamos sarados (Is 53.5). Fora de Cristo, nossa justiça não passa de meros “trapos de imundícia” para Deus (Is 64.6).

Isto posto, é apropriado que também enxerguemos aqui a doutrina da união do fiel com o seu Senhor (União Mística), pois não há a mínima possibilidade de obtermos um veredicto favorável da parte de Deus se não estivermos totalmente unidos a Cristo. Sem tal união, não seríamos em nada diferentes dos ativistas religiosos hipócritas contra quem Jesus proferiu graves acusações, visto que ainda teríamos como essência da piedade a mera obediência externa. Somente em Cristo é que a nossa justiça consegue exceder a dos fariseus. Fora disso, estamos estabelecendo a nossa própria (cf. Rm 10.3).

É nisto que creio.

Soli Deo Gloria!

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* Nesse sentido, o referido texto também versa sobre a Humilhação do Redentor, que se submeteu à Lei para resgatar os que estavam sob ela, a fim de que recebessem a adoção de filhos (Gl 4.4,5).

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terça-feira, 9 de novembro de 2010

Breve comentário sobre 1 Timóteo 3.16

Evidentemente, grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória.

Almeida Revista e Atualizada.

O texto paulino, que muitos acreditam ser parte de um hino cristão primitivo, esboça aquilo que mais tarde veio a ficar conhecido como a doutrina dos estados de Cristo: sua humilhação e sua exaltação. Mas antes de adentrar nesse assunto, Paulo faz um breve intróito, dizendo que “grande é o mistério da piedade”. Penso que aqui o apóstolo tem algo muito mais amplo em mente do que meramente a devoção (pietas) cristã. Ele pode estar muito bem se referindo ao próprio sentido da História e para onde ela converge (cf. Ef 1.10).

Que Paulo usa o termo “mistério” para referir-se a algo que estava escondido e foi revelado (cf. Cl 1.27) pode ser provado pelo que ele diz a seguir: “Aquele que foi manifestado em carne”. O termo grego que o apóstolo usa para “manifestado” é ephanerothe, que tem justamente a ideia de tornar visível algo que estivera oculto. O fato de tal verbo estar na voz passiva não significa que Cristo foi criado ou que não teve vontade própria ao fazer-se carne, e sim que sua encarnação se deu por deliberação do Pai, com a qual o Filho plenamente consente (Jo 4.34), e “na plenitude do tempo” (Gl 4.4). Onde começa o estado de humilhação do Redentor (sua encarnação) é também onde começa o desvendar da História (o “rasgar do véu”).

Como que querendo mostrar que Cristo não demoraria em seu estado de humilhação, como certamente queriam seus inimigos, o apóstolo, num só fôlego, diz que “aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, ressaltando, de uma vez por todas, que o Cristo prometido não veio apenas para ser humilhado em uma rude cruz, mas sobretudo para triunfar sobre ela e a morte. Isto ele fez ao ressuscitar dos mortos ao terceiro dia, o que patenteou definitivamente que Ele era, de fato, o Filho Unigênito de Deus (cf. Rm 1.4). Tal acontecimento marcou a ruptura entre o estado de humilhação e o de exaltação do Redentor – não porque o primeiro fosse irrelevante, visto que sem a encarnação não haveria o “está consumado” (Jo 19.30), mas porque o Descendente da mulher, para erguer de fato a bandeira do seu triunfo, deveria esmagar a cabeça da serpente (Gn 3.15), vencendo, com ela, a morte (1 Co 15.26; 54ss; 2 Tm 1.10). O contraste entre a humilhação do Redentor e sua exaltação também pode ser percebido pelas antíteses “manifestado x justificado” e “carne x espírito”[*].

Na sequência, o apóstolo vai dizer que o Redentor também foi “contemplado [ophten] por anjos”. Os anjos não participaram da ressurreição de Cristo, no sentido de lhe conferir vida, mas foram apenas testemunhas (cf. Mt 28.2) do poder com que o Espírito de santidade (Rm 1.4) reergueu Aquele que sobre uma horrenda cruz havia padecido naquela sexta-feira. Devemos nos guardar de associar tal texto à descida de Cristo ao Hades (expressa pelo Credo Apostólico), visto que não temos respaldo bíblico suficiente para argumentar que os anjos viram a Cristo em seu (suposto) estado intermediário, muito menos para dizer que Cristo realmente esteve lá.

O fato de Cristo ter sido “pregado aos gentios” deve ser entendido à luz do fato de que ele também foi “crido no mundo”, e vice-versa. O mensagem do evangelho não estava restrita a um povo em particular, como os judeus pensavam, mas espandia-se para além das fronteiras étnicas (cf. Ap 5.9). Alguns hão de argumentar, com base na afirmativa de que o Messias foi “crido no mundo”, que a obra do Redentor visava à salvação de toda humanidade. Mas tal pensamento é demasiadamente inócuo, visto que o apóstolo está se referindo à atuação do Espírito (o mesmo que ressuscitou a Cristo) naqueles que hão de crer na Palavra pregada, visto que é o Espírito Santo que nos outorga fé (salvífica) para crer. Além do quê, Paulo está se referindo ao mundo no qual o Verbo se fez carne. Ele não esperava que uma criatura que porventura estivesse andando de skate nos aneis de Saturno viesse a crer no evangelho.

Finalmente, o apóstolo diz que o Redentor foi “recebido na glória”. Não nos resta dúvida de que aqui ele esteja se referindo à exaltação de Cristo ao ser ascenso aos céus , visto que o termo que ele usa para “recebido”, no grego, tem a ideia de “ser exaltado; levantado”. Apesar de termos a liberdade teológica de englobar aqui a verdade de que Cristo “subiu aos céus e está assentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir para julgar os vivos e os mortos”, devemos cuidar para que não desprezemos o aspecto histórico (temporal) desta exaltação. Cristo foi exaltado de fato, e não apenas por uma conveniência teológica.

É nisto que creio.

Soli Deo Gloria!

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[*] Com isto, não estou endossando nenhum dualismo radical (e platônico, diga-se de passagem) entre corpo e espírito, visto que isso me levaria ao docetismo e tantas outras heresias cristológicas do período patrístico. Minha intenção foi apenas mostrar o triunfo de Cristo sobre a fraqueza da natureza humana, e só.

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quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Calvino em 140 caracteres? Só no Twitter mesmo!

Calvino pensando em como se virar no TwittUm dos estilos mais marcantes das obras de Calvino é o seu gosto pelos looooongos períodos. Petit de Julleville observou que a sintaxe do reformador de Genebra “é mais demorada que a nossa”, fato que talvez justifique a ânsia dos seus leitores pelo desfecho final daquilo que deveria ser uma simples frase. Às vezes temos a impressão de que ele se esqueceu dos pontos finais, ficando só com as vírgulas (se aqui cabe um trocadilhozinho, digamos que, nesse quesito, o grande reformador não era tão “pontual”). Mas se este era o estilo dele (aliás, da época), fazer o quê?

Ciente desse pequeno “problema”, resolvi criar o Twitter Calvino 140, que nada mais é do que uma tentativa de condensar os ditos do grande reformador nos exatos (e suficientes, tá?!) cento e quarenta caracteres que o Twitter permite. O conteúdo twittado é extraído diretamente de suas obras (Institutas e comentários bíblicos, basicamente), e poderá ser ligeiramente abreviado para atender ao limite de caracteres (por ex., “não”=”ñ”; “que”=”q”; e assim por diante).

Acesse twitter.com/calvino140 e siga Calvino!

Soli Deo Gloria!

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domingo, 24 de outubro de 2010

Esboço de sermão 2: Exposição sobre a União das Duas Naturezas do Redentor (com ênfase na Redenção Particular)

Graça e paz, irmãos!

Continuando nossa exposição no Credo Apostólico, hoje vamos tentar resumir quase dois mil anos de história em cerca de quarenta minutos. Refiro-me à doutrina da União das Duas Naturezas do Redentor, que ao longo dos séculos tem sido motivo de muita controvérsia teológica no seio da Igreja. Tal doutrina encontra-se exposta no terceiro artigo do Credo, sobre o qual vamos dissertar agora:

“O qual foi concebido por obra do Espírito Santo; nasceu da virgem Maria”.

Para tal, vamos abrir nossas bíblias no Evangelho Segundo Mateus, no capítulo 1, dos versos 18 a 25, onde temos um relato do nascimento virginal de Jesus, que pode perfeitamente ser encarado com um relato histórico da União das Duas Naturezas do Redentor:

    • 18Ora, o nascimento de Jesus Cristo foi assim: estando Maria, sua mãe, desposada com José, sem que tivessem antes coabitado, achou-se grávida pelo Espírito Santo.
    • 19Mas José, seu esposo, sendo justo e não a querendo infamar, resolveu deixá-la secretamente.
    • 20Enquanto ponderava nestas coisas, eis que lhe apareceu, em sonho, um anjo do Senhor, dizendo: José, filho de Davi, não temas receber a Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado é do Espírito Santo.
    • 21Ela dará à luz um filho e lhes porás o nome Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles.
    • 22Ora, tudo isso aconteceu para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta:
    • 23Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel (que quer dizer: Deus conosco).
    • 24Despertando José do sono, fez como lhe ordenara o anjo do Senhor e recebeu sua mulher.
    • 25Contudo, não a conheceu, enquanto ela não deu à luz um filho; e pôs o nome de Jesus (Mt 1.18-25).

Vou começar com uma frase do grande reformador João Calvino: “Divindade e humanidade são os dois requisitos que devemos procurar em Cristo, caso pretendamos encontrar nele a salvação”. Quando nos propomos falar sobre a doutrina da União das Duas Naturezas do Redentor numa só Pessoa, estamos simplesmente tratando sobre um dos pontos centrais da fé cristã. Infelizmente, essa verdade foi por muito tempo e por muitas pessoas negligenciada, questionada, negada e deturpada. Os ebionitas, discípulos de Cerinto (gnóstico docetista), negavam a divindade de Jesus. Eles diziam que o elemento divino (o “cristo”) desceu sobre Jesus por ocasião do seu batismo, mas o deixou na crucificação. Ário negava a filiação eterna de Cristo. Foi combatido por Atanásio e condenado no Credo Niceno (325 A.D). Os eutiquianos, por sua vez, negavam a humanidade de Jesus, e ficavam só com o Jesus divino. Foram condenados no Concílio de Calcedônia (451 A.D).

A Natureza Divina de Cristo

Duas implicações sobre esta doutrina (sugestão de Wayne Grudem):

1. Ela mostra que em última instância a salvação vem do Senhor (Jn 2.9). O milagre da concepção de Cristo deve-se unicamente a Deus. E, visto que Cristo é o nosso Salvador, nossa salvação logicamente também deve-se a Deus.

    • Interseções com o texto de Mateus: O anjo falou pra José que a concepção de Maria fo algo de que veio “de fora”, a saber, do Espírito Santo.

2. “O nascimento virginal tornou possível a união da plena divindade com a plena humanidade em uma só pessoa [União hipostática]. Esse foi o meio que Deus usou para enviar seu Filho (Jo 3.16; Gl 4.4) ao mundo como homem. Se pensarmos por um momento em outros modos possíveis pelos quais Cristo poderia ter vindo ao mundo, nenhum deles seria claramente a união entre divindade e humanidade em uma pessoa” (Wayne Grudem).

    • Interseções com o texto de Mateus: A união hipostática se deu “na plenitude do tempo” (Gl 4.4). Mateus diz que de Abraão a Davi contaram-se catorze gerações; de Davi ao exílio babilônico, catorze; e do exílio a Jesus, catorze (Mt 1.17). Os judeus poderiam estar pensando qual seria o “grande próximo evento” depois do cativeiro babilônico. A resposta: o evento “Deus conosco”. Aleluia!

A Natureza Humana de Cristo

Cinco verdades acerca da natureza humana de Cristo (sugestão de Ronald Hanko):

  1. Ela era real – O docetismo pregava que o corpo de Jesus não era real, de carne e osso, mas uma mera aparência. O apóstolo João, em suas cartas, combateu veementemente essa heresia: “Todo espírito que confessa que Jesus veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus não procede de Deus; pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem e, presentemente, já está no mundo” (1 Jo 4.2-3); “Porque muitos enganadores tem saído pelo mundo fora, os quais não confessam Jesus Cristo vindo em carne; assim é o enganador e o anticristo” (2 Jo 7).
  2. Ela era completa – Cristo não encarnou apenas em “alguns aspectos” de nossa natureza, mas em todos eles. Ele tinha que tomar cada parte dela, pois toda ela precisava ser redimida – nosso alma, mente, vontade e coração.
  3. Ela era sem pecado – Uma das coisas que Davi disse e que Jesus jamais diria era que “nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu a minha mãe” (Sl 51.5). Isto porque Jesus, apesar de também ter nascido do ventre de uma mulher, não foi concebido da mesma maneira que Davi (relacionamento sexual), mas pelo Espírito Santo. Ele não tinha nem pecado original nem pecado real, o que implica dizer que Ele não somente não pecou, mas também que Ele não poderia pecar. Ele “não conheceu pecado”, disse Paulo (2 Co 5.21); “foi ele tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado” e “santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores”, diz o autor aos Hebreus (Hb 4.15; 7.26).
  4. Ela era fraca – Nenhuma das verdades acima implica que Jesus era isento de fraquezas. Por ter se tornado carne, ele estava sujeito a todos os males resultantes do pecado, embora não ao próprio pecado. Ele teve fome, dor, tristeza, sofrimento, fraqueza e até mesmo morte. Isaías referiu-se a Jesus como um “homem de dores e que sabe o que é padecer”. Ainda conforme o profeta, seus sofrimentos deveriam ser explicados assim: “Ele tomou sobre si as nossas enfermidades e as nossas dores tomou sobre si... Ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades”. Ou seja, “o castigo que nos traz a paz estava sobre Ele” (Is 53.3-5).
  5. Ela era oriunda da linha do Pacto (Aliança) – Não obstante o fato de Deus ter dito à serpente que o “descendente” da mulher esmagaria sua cabeça (Gn 3.15), isso não quer dizer que Cristo descenderia de qualquer um dos filhos de Adão, ou que poderia haver uma “quebra” de continuidade em sua (de Cristo) genealogia. Cristo deveria necessariamente descender de Abraão, Isaque, Jacó, Judá e Davi. Isso pode ser atestado na genealogia traçada por Lucas, que vai de Cristo a Adão (Lc 3.23-38). Mateus, por outro lado, começa com Abraão (Mt 1.1-17). Cristo era mesmo o “Filho de Davi” profetizado pelos antigos (2Sm 7; Is 11.1-2; Sl 89. cf. Mt 1.1; Lc 1.32; Rm 1.3,4). Isso serve para remover toda e qualquer dúvida que porventura venhamos a nutrir de ser Jesus o Messias que fora anteriormente prometido. Várias tentativas foram feitas ao longo da História humana para impedir o evento “Deus conosco”, mas todas elas fracassaram (cf. Mt 2.13-23).
    • Interseções com o texto de Mateus: O interessante no evangelho de Mateus é que ele faz questão de frisar que as profecias deveriam se cumprir. O nascimento de Cristo foi virginal “para que se cumprisse o que fora dito pelo Senhor por intermédio do profeta: Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho, e ele será chamado pelo nome de Emanuel” (Mt 1.22,23). Cristo tinha que nascer em Belém da Judéia, não em qualquer outro lugar, “porque assim está escrito por intermédio do profeta: E tu, Belém, da terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo, Israel” (Mt 2.5,6). Maria e José fugiram com Jesus para o Egito “para que se cumprisse o que foi dito pelo Senhor, por intermédio do profeta: Do Egito chamei meu Filho” (Mt 2.15). Herodes mandou matar todos os meninos menores de dois anos de idade que moravam em Belém e arredores para que se cumprisse “o que fora dito por intermédio do profeta Jeremias: Ouviu-se um grande clamor em Rama, pranto [choro] e grande lamento; era Raquel chorando por seus filhos e inconsolável porque não mais existem” (Mt 2.16-18). E depois que Herodes enfim morreu, José e Maria partiram para morar com Jesus numa cidade chamada Nazaré, “para que se cumprisse o que fora dito por intermédio dos profetas: Ele será chamado Nazareno” (Mt 2.23).

Aplicação com ênfase na Redenção Particular (“Expiação Limitada”)

Por que Cristo nasceu? Por que “o Verbo se fez carne e habitou [tabernaculou] entre nós”? Paulo responde: “Cristo Jesus veio ao mundo para salvar pecadores” (1 Tm 1.15). Sua morte não foi para tornar a salvação possível, mas para torná-la real e eficaz. Mas para quais pecadores? Todos? O anjo que apareceu a José responde: “Ela dará à luz um filho e lhes porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos pecados deles (Mt 1.21). Os próprios sacerdotes e escribas, após terem sido perguntado por Herodes onde nasceria o Cristo, responderam com a profecia de Miqueias (Mq 5.2): “E tu, Belém, da terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as principais de Judá; porque de ti sairá o Guia que há de apascentar o meu povo, Israel (Mt 2.6). A encarnação do Verbo, a qual Paulo chama de “o grande mistério da piedade” (1 Tm 3.16), só encontra seu sentido quando olhamos para aquilo que Deus fez na cruz por intermédio da Pessoa do Seu Unigênito: reconciliar pecadores consigo mesmo, dentre os quais estamos nós, “aos quais Deus quis dar a conhecer qual seja a riqueza da glória deste mistério entre os gentios, isto é, Cristo em vós [em nós!], esperança da glória” (Cl 1.27). Dizer que as duas naturezas do Redentor convergem para a grande verdade de uma expiação particular não é, como alguns podem pensar, um “delírio calvinista”, e sim uma grande verdade que as Escrituras nos ensinam.

Solus Chritus! Soli Deo Gloria!

Leonardo Bruno Galdino.

Pregado na I Igreja Presbiteriana de Santarém/PA, em 24/10/2010.

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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Carta a Jean: o que fazer quando não “cabemos” mais numa igreja?

Caro Jean*,

apertado2Pouco antes de ler seu e-mail eu estava ouvindo uma de suas músicas favoritas nos tempos de adolescência. “Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia”… – Não vou me adaptar, dos Titãs. O interessante é que essa música é de autoria de exatamente dois ex-integrantes dessa banda que resolveram pular fora do barco por sentirem que também já não “cabiam” mais naquele contexto: Nando Reis e Arnaldo Antunes. Aliás, só a título de curiosidade, Jean, “Cabimento” é o nome da quinta faixa do álbum Saiba (2004), também do Arnaldo. Agora entendo porque ele e Nando eram os seus Titãs favoritos. Engraçado como essa lembrança repentina que tive caiu como uma luva para o tema do seu e-mail, não foi? Coincidência? Sorte? Não, isso não tem cabimento!

Vamos aos fatos: a igreja em que nos convertemos não é, digamos assim, um terreno fértil para quem quer crescer qualitativamente no conhecimento das Escrituras, visto que sua agenda é mais voltada para uma geração que não quer nem saber se o pato é macho – só quer o ovo e ponto final. Uma geração que não gosta de pensar; imatura; medíocre; que não questiona nem afere o que ouve com a Palavra, tal como os bereianos de Atos 17. Ou seja, uma geração tipicamente gospel – superficial, vazia, irrelevante. E você, mais do que ninguém, sabe que não estou exagerando. Junte-se a isto o fato de o pastor da igreja, além de assentir com a superficialidade intelectual de suas ovelhas, não somente embota o crescimento delas, como também impede aqueles que querem levá-las a uma reflexão séria e comprometida com o cristianismo bíblico. Afinal de contas, não é um pintinho que quebrou a casca agora que vai ensinar um galo velho a comer milho, não é mesmo? De fato, todas essas coisas parecem mesmo justificar esse teu sentimento de inadequação eclesiástica.

Mas talvez uma delas seja mesmo o pivô de tudo, a saber, o fato de que você agora é reformado. Eu sei que não é preciso ser necessariamente reformado para se querer reforma na igreja. Aliás, conheço ótimos arminianos nesse sentido. Que dizer de A. W. Tozer, por exemplo? Alguém acertadamente já disse que ele é o arminiano que os calvinistas mais apreciam e de quem poucos discordam. Além dele, conheço muitos que, a despeito de não se identificarem com a teologia reformada, possuem certa coerência naquilo em que reivindicam em seus respectivos contextos. Eu mesmo, por exemplo, sequer conhecia os cinco pontos do calvinismo quando comecei a clamar por reforma em nosso meio, pelo que fui amordaçado, o que me leva a concluir que o problema da liderança da igreja aí não é exatamente com os reformados, mas com qualquer um que se atreva a ir um pouco mais além do comodismo intelectual vigente. Contudo, devo confessar que foi mesmo quando descobri as antigas doutrinas da Graça que o negócio realmente tomou proporções maiores e mais consistentes. Agora sim, não se tratava de questionar apenas as práticas litúrgicas e outras esquisitices próprias da cultura “gospel” que por lá imperavam (e ainda imperam!) – a doutrina também entrou na jogada.

Isso acarretou uma série de mudanças, como fui previamente “alertado” por um pastor reformado com quem muito aprendi. Não, ele não estava usando de proselitismo, até porque sua igreja ficava muitíssimo distante do bairro onde eu morava. Ele estava apenas me chamando a atenção para algo que eu não conseguia mensurar naquele momento – talvez pela pouca idade, talvez pelo pouco conhecimento que eu tinha de história da Igreja. Quando a fé reformada começou a pulsar a todo vapor em minhas veias, propus a realização de um simpósio reformado em nossa igreja, mesmo sendo ela arminiana e quase neopentecostal (imagine só?!). O pastor, mesmo suspeitando de nossas intenções, autorizou a realização do evento, e só – não pude ter mais do que o seu “aval”. Elencar os preletores não foi tarefa fácil, mas graças a Deus conseguimos trazer a maioria que tínhamos em mente. Contei com o apoio de alguns irmãos que também passaram a engajar-se no ideal reformado de igreja para que ajudassem na organização do evento. Isso foi em 2005, exatamente em outubro, mês da Reforma. Era o meu último ano em Recife, já que no início do ano seguinte eu estaria de partida para Minas Gerais, por conta de minha aprovação num concurso público. Mas eu nem esperei janeiro chegar para finalmente sair daquela igreja para uma reformada, com quem eu já flertava. Mesmo com a realização do simpósio (que foi muito bom, diga-se de passagem), eu senti que minha situação ali já não podia mais se sustentar, visto que as indiretas vindas do púlpito passaram a ser mais frequentes e fortes do que antes, como coisas do tipo “você só quer saber de ‘teologia’! ‘Teologia’, ‘teologia’… ‘Teologia’ que nada!”. Foi quando eu finalmente concluí que não “cabia” mais naquela igreja.

Eu nem imaginava que chegar a uma conclusão dessas poderia ser tão doloroso como foi, ainda mais quando se tem toda uma história de vida eclesiástica deixada para trás. Afinal de contas, querendo ou não foi ali que aprendi a tomar gosto pelo estudo da Bíblia, sob a influência de professores a quem até hoje tenho grande estima e, por que não dizer, dívida. Mas é uma pena que nem eles mesmos puderam ir muito longe em seus projetos de educação religiosa, visto que o investimento nessa área era pouco. Parece que certos pastores se contentam em tratar suas ovelhas como se elas fossem eternamente neófitas, sob o pretexto de que sempre é bom relembrar os “fundamentos da fé”, quando na realidade isso não passa de puro pretexto para justificar sua preguiça em buscar pastos verdejantes para o seu rebanho, na maioria dos casos. Não estou te contando isso para que você trilhe o mesmo caminho que eu, Jean, mas para te mostrar os erros e acertos de um jovem reformado que descobre que não “cabe” mais em sua igreja. Hoje, depois de algumas experiências que tive ao longo de todo esse tempo (curto, mas suficiente), posso te dizer que aprendi bastante com os meus próprios erros. E é justamente aqui que eu posso te ser mais útil.

Você bem sabe que por três anos eu congreguei numa igreja arminiana no interior de São Paulo – não porque eu tinha intenções de “reformá-la”, óbvio que não, mas pela falta de igrejas reformadas nas proximidades. E uma das coisas que eu posso te dizer que fez toda diferença no meu convívio lá foi o fato de, logo no início, eu ter procurado o pastor da igreja para conversar com ele sobre minhas perspectivas teológicas, algo que não fiz quando estava aí em Recife. Ou seja, eu nunca escondi das pessoas que eu era calvinista, muito embora quase ninguém por lá soubesse que “bicho” era esse – só achavam minha perspectiva um pouco “diferente”. É óbvio também que isso não foi suficiente para evitar atritos teológicos entre nós, mas penso que seria bem pior se o pastor depois viesse a descobrir que eu era um membro do “Serviço Secreto Calvinista” que havia se infiltrado em sua igreja. Mas penso também que se ele realmente considerasse o calvinismo como uma “praga”, ele não teria me dado tantas oportunidades para pregar, ensinar na escola dominical, liderar jovens, etc. Quando nos concentramos em apenas expor o texto bíblico (pregação expositiva), é natural que as pessoas revelem a sede que tem. Alguns irmãos resolveram abraçar a fé reformada. A tudo isto eu dou graças a Deus pela sabedoria que Ele me deu para lidar com aquela situação – para conviver em comunhão com a igreja e com o pastor, e não ser desnecessariamente “do contra” em todas as ocasiões (aprendi isso lendo o puritano Richard Baxter!).

Eu sei que no teu caso isso pode não resolver mais, visto que já não és mais nenhum novato na igreja (você praticamente cresceu aí!), mas penso que você também deveria procurar o pastor para conversar, em vez de ficar carregando esse peso consigo. Arrume coragem e vá lá no gabinete dele, só vocês dois – não para enfrentá-lo, mas para uma conversa franca entre ovelha e pastor. Abra seu coração, desabafe! Mas não se exalte: controle-se! Lembra-te das palavras de Paulo ao jovem Timóteo: “Foge das paixões da mocidade” (2Tm 2.22, onde o contexto sugere o controlar os ânimos no calor de uma discussão). Exponha sua perspectiva com clareza. Se ele se mostrar irredutível, você pelo menos fez a sua parte. E se você acha que agora tem motivos suficientes para sair da igreja, avalie bem e veja se é isso mesmo que você quer, visto que tens uma classe de novos convertidos para cuidar na escola dominical. Eles com certeza sentiriam muito a tua falta, e você a deles. Mas aconteça o que acontecer, deixe a casa em ordem. E lembre-se de que você também precisa ser pastoreado. Digo isso porque eu sei que de reformado só ficou você aí. Elton mudou de bairro, e Josué recentemente foi para uma igreja presbiteriana. Também convivi com eles por todo tempo que estive aí, mas já naquela época eles também já mostravam sinais de cansaço, assim como eu, até que não aguentaram mais e resolveram sair. Agora, você não tem mais ninguém por perto. A “Síndrome de Elias” parece que te pegou. Ninguém mais para compartilhar ideias, dilemas, etc. Mas olha bem ao teu redor. Pode ser que não tenha os sete mil lá de 1Rs 19.18, é verdade, mas certamente deve ter alguns por aí que abracem a fé que tens pregado, inclusive na classe em que ensinas na escola dominical. Lembre-se que por vezes os frutos aparecem de onde menos imaginamos. “Assim será a palavra que sair da minha boca: não voltará para mim vazia”, diz o Senhor (Is 55.11). Creia nisso!

Vou ficando por aqui, Jean. Parece que o que fiz foi mais desabafar do que ajudar, não foi? Julguei necessário. Mas espero ter te ajudado. Qualquer coisa, procure o Josué, pois ele tem bastante experiência para te passar. Aproveita que ele é praticamente teu vizinho. De vez em quando dá uma ligada pro Elton também. Ele foi um cara que me ajudou muito, e a quem devo o gosto que tenho hoje pelo estudo da Palavra. Certamente, ele te será muito útil também. Se fores visitar uma igreja reformada e se sentires bem lá, ore a Deus e pondere bem antes de tomar qualquer decisão, sempre tendo em mente que todas as igrejas tem problemas. E não se esqueça de compartilhar tudo com sua noiva. Afinal de contas, a ideia é que vocês logo em breve sejam uma só carne (“uma só carne, uma só igreja” – rsrs!).

Saudações reformadas! E mantenha o contato.

Att,

Leonardo Bruno.


Soli Deo Gloria!

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*Jean é um nome fictício, bem como alguns (somente alguns mesmo) detalhes. As circunstâncias, porém, são bem reais.

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sexta-feira, 8 de outubro de 2010

No que alguém deve crer para ser chamado de calvinista?

Essa foi uma pergunta que me fizeram lá no Formspring.me. Achei por bem postar minha resposta aqui.


Douglas,

Muito boa essa sua pergunta!

Veja bem. Já que o requisito para ser calvinista não é o mesmo que para ser salvo (porque se fosse já não seria mais pela Graça*), podemos dizer que para ser calvinista uma pessoa deve, sim, crer e defender algumas doutrinas distintivas do sistema teológico que ficou conhecido como "reformado", sistema este oriundo de João Calvino e seus sucessores (no contexto mais imediato, os puritanos).

Entretanto, uma vez que não há consenso entre os calvinistas sobre certos aspectos desta mesma fé (como por exemplo no campo da escatologia, pneumatologia e eclesiologia, somente para citar os mais relevantes), restringimos o termo àqueles que creem e defendem a soteriologia reformada, que foi historicamente resumida em cinco artigos - os famosos "Cinco pontos do Calvinismo". Isso é o mínimo que todo bom calvinista deve conhecer, defender e pregar (mesmo que ele depois acabe se enroscando, por exemplo, em questões envolvendo a ordem dos decretos - supralapsarianismo x infralapsarianismo).

Mas é óbvio que o calvinismo não é somente doutrina - ele também é vida! Não apenas ortodoxia, mas sobretudo ortopraxia. E que ninguém ouse afirmar que é um legítimo calvinista se não viver o que prega o legítimo calvinismo, pois, como diria um dos calvinistas mais ilustres de todos os tempos, Charles Haddon Spurgeon, "a profissão de fé sem a graça divina é a pompa funerária de uma alma morta".

Espero ter ajudado.

Volte sempre, e obrigado pela pergunta.

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* Não que ser calvinista seja fruto de obras! Continuamos atribuindo tudo à Soberana Graça de Deus!

Pergunte-me qualquer coisa

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segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Florentina, Florentina, Florentina de Gizuiz!

TIRIRICA_candidatoÉ, pessoal… deu a lógica: Tiririca Deputado! Já tava na cara que isso ia acontecer. Agora vamos ter que aguentar aquele hitzinho ridículo mais uma vez incomodar nossos ouvidos. Ops! Eu falei “nossos”? Acho que me equivoquei. Existem aqueles que hão de gostar. Quem são? Preciso mesmo responder? Acho que não, né?

Tiririca eleito é mais uma prova de que o povo brasileiro, assim como seu mais novo e ilustre deputado, de fato, está aqui para brincadeira. “Vote Tiririca: pior que tá não fica”! De fato, pior do que ele só os seus eleitores, incluindo aqueles que fizeram dos seus votos uma forma de “protesto” – burro, diga-se de passagem! Como brasileiro, entristeço-me demais por transformarem meu país em piada, literalmente.

Sem mais comentários, senão adoeço.

ProntoFalei!

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sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Resenha do livro “Cristianismo sem Cristo”, de Michael Horton

Horton, Michael. Cristianismo sem Cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2010. 208 pp. Tradução de Neuza Batista.

cristianismo sem cristo

Quem está familiarizado com os escritos do Dr. Michael Horton sabe que não é à toa que ele é tido como um dos maiores e mais competentes pensadores reformados da atualidade. A solidez doutrinária de seus escritos e sua aguda percepção em analisar as coisas que acontecem no mundo dito cristão a partir de uma ótica reformada (e confessional), aliadas à sua imensa capacidade argumentativa (que nem sempre é tão sistemática e lógica quanto gostaríamos, é verdade) e de exímio pesquisador que é, são fatores que tem justificado seu prestígio mesmo entre alguns cristãos de perspectiva não-reformada (e não-confessional).

Agora, ele nos brinda com um de seus livros mais polêmicos, cujo título não só é intencionalmente provocativo, mas essencialmente reflexivo: Cristianismo sem Cristo – que, nas palavras do bispo metodista William Willimon (prefaciador da obra), também pode ser encarado como uma “polêmica induzida de Cristo” (p. 10). Se essa afirmação soa pretensiosa e arrogante demais, só mesmo lendo a obra para descobrir.

Algo marcante nos escritos de Horton é que ele é sempre muito seletivo nas citações de obras e estatísticas que usa em suas pesquisas, objetividade que o distingue de muitos escritores prolixos e cansativos, apesar de ser ele mesmo um pouco repetitivo às vezes. Por exemplo, ele pode muito bem começar falando de um assunto, bruscamente interrompê-lo, e voltar a repeti-lo em outro capítulo que, em princípio, deveria tratar sobre outra coisa. Por este motivo é que esta breve resenha é mais sistemática (análise por assunto) do que linear (análise de cada capítulo separadamente).

Apesar do “auê” que o título da obra pode causar nos leitores mais apaixonados, Horton se apressa em dizer que, a despeito de sua superficialidade, desatenção e humanismo, a igreja contemporânea ainda não chegou ao que ele chama de “cristianismo sem Cristo”, mas está a caminho (p. 10). Esse esclarecimento é importante especialmente porque aqueles de perfil mais polemista correm o risco de ser mais radicais do que o autor da obra na qual tanto se deleitam (assim como tem gente que quer ser mais calvinista que Calvino). Entretanto, não estão equivocados aqueles que entenderem que Horton está apenas sendo eufêmico, adiando a bomba que está prestes a estourar no desenrolar de sua argumentação.

Mas, o que vem a ser, finalmente, esse tal “cristianismo sem Cristo”? O autor o definiria como sendo “uma história sobre nós [nossos feitos] em vez de uma história sobre o Deus Trino que nos transporta para o drama em andamento [os feitos de Deus]” (p. 91). Cristianismo sem Cristo é quando “Deus e Jesus ainda são importantes, porém mais como parte do elenco de apoio do nosso próprio show” (p. 17). Nesse sentido, o cristianismo sem Cristo é deísta, visto que não é mais Deus quem governa as coisas, e sim o homem; é moralista, visto que o imperativo “faça mais, esforce-se mais” (p. 10) – ou, a famosa máxima de Benjamin Franklin de que “Deus ajuda a quem se ajuda” – está no âmago da religiosidade que norteia a maior parte das igrejas contemporâneas; e é terapêutico, visto que “não há pecado nem culpa a ser perdoados por Deus, mas apenas os pesos e sentimentos de culpa por não corresponder às expectativas de si mesmo ou de outros seres humanos” (p. 37). Finalmente, Horton diz que a “chave” para essa sua crítica “é que, uma vez que você faz sua paz de espírito em vez de paz com Deus, que é o principal problema a ser resolvido, todo o evangelho é radicalmente definido”, e que “a autorrealização, a autossatisfação e a autoajuda são todas distorções contemporâneas de uma heresia antiga, que Paulo identificou como obras de justiça” (p. 34). Nesse sentido, entendo que a obra de Horton é, antes de tudo, uma forte argumentação e clamor em prol da doutrina bíblica da justificação pela fé somente, que os reformadores entenderam ser o coração do evangelho.

Para efeito de síntese, Horton faz um quadro comparativo muito interessante entre o cristianismo sem Cristo (que ele chama de “lei leve”) e o verdadeiro evangelho (p. 158):

Lei Leve

O evangelho

Deus como treinador de vida

Deus como Juiz e Justificador

Bom conselho (fazendo)

Boas-novas (feito)

Cristo como exemplo

Cristo como Salvador

A Bíblia como manual de instrução

A Bíblia como mistério de Cristo sendo revelado

Sacramentos como meio de compromisso

Sacramentos como meios de graça

A igreja como recurso de autoajuda (foco no nosso serviço/ministério)

A igreja como embaixada da graça (foco no serviço/ministério de Deus)

Nós subimos até Deus

Deus desce até nós
Nós enviamos a nós mesmos Deus nos envia

O diagnóstico que Horton dá para essas distorções divide-se em basicamente dois braços. O primeiro é baseado num estudo realizado pelo sociólogo Christian Smith, que definiu a religiosidade norte-americana como sendo um “deísmo moralista e terapêutico” (p. 34), conceito este que Horton vai usar em praticamente todo o livro. Não se trata de apenas uma frase de efeito, mas Horton se preocupa em mostrar estudos e estatísticas que comprovam a sua veracidade, como ele mesmo avisa na página 18. O segundo braço do diagnóstico é teológico: Pelagianismo – é o “termo teológico para esta moléstia”, diz ele (p. 37). “Afinal de contas, é a nossa teologia mais natural”, ironiza.

Mas apesar de traçar paralelos entre o cristianismo sem Cristo e certas distorções teológicas que marcaram a história da Igreja (como o gnosticismo, o semi-pelagianismo e o liberalismo teológico, por exemplo), Horton chega a admitir que “o ‘cristianismo sem Cristo’ é invasivo, atravessa o espectro liberal-conservador e todas as linhas denominacionais” (p. 22), motivo pelo qual “nenhuma denominação está livre desse cativeiro, incluindo a minha, e ninguém, incluindo eu mesmo” (p. 23). Ironicamente, essa nova religiosidade não é tão profunda quanto se pretende, mas é exatamente vazia (niilista?). “Muito do que estou chamando de ‘cristianismo sem Cristo’”, diz Horton, “não é profundo o suficiente para constituir heresia”, comparando a mensagem do cristianismo sem Cristo com aquele tipo de música de fundo que ouvimos tocar nos estabelecimentos comerciais: “trivial, sentimental, aceitada e irrelevante” (p. 17). E mais: “O Deus da religião norte-americana contemporânea é trivial demais para valer o nosso tempo” (p. 91). Mas é exatamente isso que torna esse novo tipo de religiosidade mais perigoso do que seus antecedentes gnósticos, pelagianos e liberais.

O liberalismo começou por subestimar a doutrina em favor do moralismo e da experiência interior, perdendo Cristo por hierarquia. No entanto, é mais tolice que heresia que está nos matando. Deus não é negado, mas banalizado – usado para nossos programas de vida, e não recebido, adorado e usufruído [p. 20 – ênfase minha].

Englobando as Pessoas da Trindade nesse sacrílego processo de trivialização, Horton observa que no cristianismo sem Cristo “Deus é usado como um recurso pessoal, em lugar de ser conhecido, adorado e confiado; Jesus Cristo é um treinador com um plano de jogo bom para nossa vitória, em vez de um Salvador que já alcançou a vitória para nós; […] e o Espírito Santo é uma tomada elétrica que podemos ligar para obter o poder necessário para sermos tudo o que podemos ser” (p. 17 – negrito meu). Aliás, Horton esbanja nos adjetivos que o cristianismo sem Cristo tem conferido a Jesus. Ele observa que “Jesus tem sido vestido como um […] treinador de vida, guerreiro de cultura, revolucionário político, filósofo, copiloto, companheiro de sofrimento e parceiro na realização de nossos sonhos pessoais e sociais” (p. 21); ou como um “mascote na guerra das culturas” (p. 166); ou ainda, em um simples “ponto de encontro para jogos de futebol e inauguração de shopping centers” (p. 64). Porém, o resultado disso tudo, diz Horton, em vez de um relacionamento verdadeiro com o Filho de Deus, “é um apego vago e sentimental por alguém que é mais um amigo invisível do que o Salvador dos ímpios, encarnado, morto e ressuscitado, que subiu e é Rei” (p. 64). O cristianismo sem Cristo definitivamente não contempla o Jesus das Escrituras – Histórico, Redentor, Deus!

Tudo isso, naturalmente, leva a uma banalização não somente de Cristo, mas também dos meios de graça por Ele instituídos. O Batismo e a Ceia, por exemplo, são transformados em “meios de compromisso” – um “veículo da experiência pessoal” (p. 142), uma vez que o indivíduo é levado a pensar que tanto a salvação como a manutenção desta dependem única e exclusivamente dele mesmo.

Para muitos de nós, criados em contexto evangélico-conservador onde a pregação era principalmente uma exortação para fazer mais, o Batismo foi nosso ato de compromisso em vez de ser o ato de compromisso de Deus, a Ceia do Senhor era um meio de nossa lembrança em vez de um meio da graça de Deus e muitos hinos eram expressões da nossa piedade mais que um relato das misericórdias maravilhosas de Deus na história da redenção [p. 154].

Mas Horton faz questão de nos lembrar que “o Batismo não é nosso ato de compromisso, com base em nossa decisão, é o ato de compromisso de Deus, baseado em sua decisão. […] A Ceia do Senhor não é nossa lembrança e reconsagração, mas se centra na promessa de Deus de nos dar seu Filho como nosso alimento e bebida – certificando e ratificando nossa inclusão no pacto da graça” (p. 180).

Todos esses “apelos para a ação sem o anúncio da ação de Deus”, segundo Horton, está gradualmente “desevangelizando” a igreja (p. 155). Ela se imiscuiu tanto na agenda secular que, em sua tentativa de tornar o evangelho relevante, perdeu-se pelo caminho, transformando as boas-novas da salvação em meros estímulos morais de autoajuda. E é justamente aqui que Horton vai fazer críticas ferrenhas ao tipo de pregação e pregadores que o cristianismo sem Cristo (ou, quase sem Cristo, na melhor da hipóteses) tem produzido, justamente pelo fato de que esta pregação, como vimos, exorta o espectador a sempre “fazer mais”. Charles Finney, Joel Osteen, Robert Schuller, Rick Warren, Joyce Meyer e o emergente Brian McLaren, dentre outros, não escapam da flecha certeira de Horton. Para ele, as pregações dos tais não diferem muito do que podemos encontrar nos ditos do Dr. Phill ou da Oprah Winfrey (p. 15 – trazendo para o nosso contexto, algo parecido com Super Nani, Max Gehringer e Ana Maria Braga). Por este motivo, não é mesmo a toa que, “na autoajuda secular, as vendas dos gurus chegam perto dos concorrentes evangélicos” (p. 58). Esse tipo de pregação, para Horton, também tira Cristo do cristianismo.

Quando a mensagem básica da igreja é menos sobre quem é Cristo e o que ele fez de uma vez por todas para nós e mais sobre quem somos e o que temos que fazer para tornar a vida dele (e a nossa) relevante para a cultura, a religião que é feita “relevante” não é mais o cristianismo [p. 118].

É nesse ínterim que Horton também vai criticar a tendência desse tipo de religião em moralizar e alegorizar as histórias bíblicas, como se a sabedoria da Escritura se nivelasse àquelas encontradas nas fábulas de Esopo (p. 121). De fato, é muito comum vermos isso acontecer nos dias de hoje. A pregação é tudo, menos exegética. O que sobra disso só pode ser mesmo alegorias e princípios morais. Daí temos que, assim como Davi, precisamos vencer os “gigantes” em nossas vidas; que temos que nos “atrever” a ser um Daniel; que devemos “sonhar” como José; etc. É por isso que nesse tipo de pregação geralmente Deus nunca está de mau-humor para com os pecadores, mas sempre pronto a recebê-los, não importa como estejam vivendo. Horton relembra de uma ocasião em que entrevistou o Dr. Robert Schuller em um programa de rádio, quando lhe perguntou como ele interpretaria a exortação que Paulo faz a Timóteo em 2 Tm 3.1-5. E, antes mesmo de terminar de articular sua pergunta, Schuller respondeu apressado às palavras apostólicas, dizendo: “Eu espero que você não pregue isso. Vai magoar um monte de gente bonita” (p. 28). Para Horton, coisas desse tipo não passam de “autoajuda pelagiana e autodeificação gnóstica” (p. 59), onde Deus novamente é nosso coadjuvante no esquema do já denunciado “deísmo moralista terapêutico”.

Em um paradigma terapêutico, não só o membro da igreja, mas o próprio Deus é colocado no sofá enquanto nós interpretamos, com empatia, os sentimentos dele. Deus nunca está com raiva ou é crítico em relação às pessoas; na verdade, ele é mais angustiado que nós, visto que sabe o quanto nossas ações podem nos prejudicar. […] Podemos até nos sentir inclinados a sentir pena desta divindade [p. 48].

Mesmo que esses assuntos estejam largamente presentes na agenda do pessoal do movimento de igreja emergente (a quem Horton faz fortes críticas nos capítulos 4 e 6, especialmente) e dos adeptos do teísmo aberto, para Horton isso nada mais é do que um eco do antigo liberalismo e do conceito de kantiano de religião moralista em oposição à religião de doutrina (p. 93). Somos ensinados de que não devemos apenas pregar o evangelho, mas sobretudo ser o evangelho. É aquela velha máxima atribuída a S. Francisco de Assis: “evangelize sempre; se necessário, use palavras” – como se nossas vidas pudessem pregar “melhor do que o evangelho” (p. 127). É muita empáfia! Esse novo legalismo, para Horton (na realidade, um legalismo revisitado), é o “murmúrio otimista e alegre tocando como música de fundo”, que nem nos ameaça com o inferno nem nos conforta com o céu (p. 102). Mais uma vez, Horton nos lembra de que este é o nosso “pelagianismo nativo” (p. 93), uma vez que nosso destino está em nossas próprias mãos.

Ainda tratando dessa questão da busca desenfreada por relevância, Horton argumenta que não precisamos da Bíblia para saber que nossos filhos precisam de padrões regulares de sono; que o segredo para um bom casamento é o diálogo; e que se não administramos bem nossos cartões de crédito eles nos dominam (p. 85). “Qualquer pessoa pode perder peso, parar de fumar, melhorar um casamento e se tornar mais agradável sem Jesus”, garante ele (p. 86). É certo que estimular as pessoas para que estas busquem uma melhor “qualidade de vida” (somente para usar um linguajar que está na moda) não é um mal em si mesmo, mas “mesmo quando coisas boas, santas e apropriadas se confundem com o evangelho, é apenas uma questão de tempo antes de chegarmos ao cristianismo sem Cristo(p. 91).

Temos visto que, de fato, a “religião moralista de autossalvação é nossa configuração padrão como criaturas caídas” (p. 36). Precisamos urgentemente nos desvencilhar dela. “Chega de nós” (p. 115)! Como clamou William Willimon no prefácio, “vamos colocar Cristo de volta no Cristianismo” (p. 10). Mas a pergunta é: como? Horton arrisca algumas propostas para que sejamos libertos desse cativeiro. Vamos tentar resumi-las:

  1. Precisamos fazer uma urgente distinção entre a lei e o evangelho (p. 103). Do contrário, o que teremos é somente mais e mais ativismo religioso em vez de fé viva e verdadeiramente eficaz. “Nosso padrão é a lei, e não o evangelho, coisas para fazer (imperativos), no lugar de indicativos (coisas para acreditar)” (p. 108). “Confundir a lei e o evangelho é a tendência natural do coração caído. Todas as religiões – incluindo o cristianismo sem Cristo, que não é cristianismo de jeito nenhum – pressupõem alguma forma de redenção por esforço próprio [..] Deixe a lei ser lei e o evangelho ser evangelho” (p. 102);
  2. Precisamos pregar corretamente a lei (p. 106), porque “até que nossa pregação da lei tenha exposto nossos corações e a santidade de Deus a esse nível profundo, nossos ouvintes jamais irão para Cristo em busca de segurança, mesmo que venham até nós para conselho” (p. 107);
  3. Precisamos nos preocupar com as necessidades realmente primárias (p. 115). “Os gentios amam a sabedoria, então lhes mostre um Jesus que é mais inteligente em resolver enigmas da vida diária e a igreja vai ter uma multidão de adeptos”. Contudo, “a igreja”, diz Horton, “existe para mudar o assunto de nós e de nossos atos para Deus e seus atos de salvação, e de nossas missões de salvar o mundo para a missão de Cristo, que já realizou a redenção” (p. 115). O que precisamos é de um novo paradigma: “de nossa agenda para a agenda de Deus” (p. 168);
  4. Precisamos recuperar os conceitos do cristianismo bíblico, resgatando-os da trivialização pós-moderna (p. 116). “Cristianismo sem Cristo não significa religião ou espiritualidade desprovida das palavras Jesus, Cristo, Senhor ou até mesmo Salvador. Significa que a forma como esses nomes e títulos são empregados os deslocará de seu local específico no desdobramento histórico da trama da rebelião humana e do resgate divino, e de práticas como o Batismo e a Ceia. Jesus como treinador de vida, terapeuta, amigo, outro significativo, fundador da civilização ocidental, messias político, exemplo de vida radical e outras inúmeras imagens podem nos distrair do escândalo e da loucura de ‘Cristo e este crucificado’” (p. 117); e, por último,
  5. Precisamos que nossa missão se oriente pelo evangelho, não pela “justiça decorrente das obras” (p. 165). No afã de ganhar o mundo inteiro, muitas vezes temos perdido nossas marcas – identidade reformada; e por vezes amamos tanto as marcas que temos negligenciado a missão – evangelização. Precisamos manter acesas as duas coisas, porque “sem as marcas a missão é cega; sem a missão, as marcas estão mortas” (p. 166).

Como as resenhas geralmente fazem com que corramos o risco de reduzir o conteúdo da obra aos nossos próprios termos, iremos parar por aqui. Mas cabem mais algumas observações pontuais ao livro como um todo. Agora me refiro à questão estética – enfim, todo o processo editorial. Elogios e críticas também são oportunos nesse aspecto. Primeiramente quero parabenizar a Editora Cultura Cristã – além do fato de pôr nas mãos do público de fala portuguesa uma obra de tamanha envergadura teológica como esta que temos aqui, é claro – pelo trabalho dos revisores em explicar certas expressões e conceitos próprios da cultura e linguajar norte-americanos (pp. 17, 19, 21, 29, 33, 60, 64, 86, 93, 95, 136, 140, 169, 181, 192 e 201), coisas estas que, na maioria das vezes, muitos tradutores e revisores não explicam. Em alguns casos, compreender tais conceitos torna-se essencial à compreensão do que o autor quer transmitir. Isso denota uma preocupação e respeito dos editores pelo leitor que é leigo em outras culturas.

Em relação aos pontos que poderiam ter sido melhores podemos citar a falta de um índice onomástico e de assuntos, o que em muito facilitaria a pesquisa e pouparia o leitor (inclusive quem resenha!) de exaustivas anotações marginais (embora saibamos que o processo para tal é um pouco demorado, tendo em vista a “urgência” da publicação). Quanto aos erros de digitação, gramática e afins, foram tão leves que chegam a ser insignificantes (pp. 15, 137, 138, 139, 143, 176, 179, 182 e 187). E poderia também ter aquela tradicional folha em branco na última página (na qual consta o tipo de papel, a imprensa, etc.), pois sua falta deixa aquela impressão de que o livro ainda não chegou ao seu fim, especialmente no caso do livro em questão, que Horton conclui com uma citação sem acrescentar aquelas costumeiras observações, doxologias ou apelos. Mas nenhuma dessas faltas, evidentemente, é capaz de tirar o brilho da obra desse estimado pensador, que certamente perdurará como um dos textos apologéticos mais importantes desta década. Quem ainda não leu, é bom se apressar, antes que os três mil exemplares se esgotem!

Soli Deo Gloria!

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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

“Por que me preocupar se o abortado não sou eu”? Um clamor pela não-presidência do PT

aborto1Era só mais um dia como outro qualquer na capital paulista. Érica, uma jovem de apenas dezessete anos, estava grávida de dois meses. Como muitas garotas na sua idade, ela não sabia quem era o pai da criança, visto que havia se envolvido com muitos parceiros naquela noite. Não, ela não é garota de programa, mas de uma família abastada da classe média paulistana. Havia saído com os amigos para uma balada, onde tudo aconteceu – sexo, drogas, rock n’ roll e mais algumas coisinhas. Somente sua mãe sabia que ela estava grávida, mas não por Érica ter contado, e sim por pura desconfiança – dos constantes enjoos, dos remédios escondidos na gaveta, do semblante sempre misterioso e… pelo instinto materno também, é lógico. Até que Érica abriu o jogo com sua mãe, mas somente com ela, porque se o pai soubesse provavelmente a colocaria para fora de casa. E agora? O que fazer?

Mesmo se soubesse quem era o pai da criança, Érica bem sabia que nenhum dos garotos com quem se relacionou naquela noite estaria disposto a assumir a responsabilidade. “Toma que o filho é teu” – ia parecer piada! A alternativa? Bem. Logo ali perto de sua casa funcionava uma clínica clandestina especializada em resolver “questões familiares” dessa natureza. A ideia partiu de uma colega de Érica, que rapidamente convenceu ela e sua mãe de que aquela era a alternativa mais viável naquele momento tão delicado. “Esgotados” todos os recursos, resolveram ir lá – sem muito constrangimento moral, pois, afinal de contas, mais um pouquinho de tempo e a barriguinha ia começar a despontar, e aí o “constrangimento” ia ser de verdade: pela expulsão de casa, pelo desamparo, pelo falatório popular, etc. Enfim, o procedimento médico (médico?) não demorou muito. Por sucção o feto foi extraído e logo em seguida jogado no lixo. E Érica foi embora com um “enorme” peso tirado das costas – e da barriga.

Apesar de o relato acima ser fictício, qualquer semelhança com a realidade não terá sido mera coincidência. E não terá sido mesmo: acontece todos os dias nas capitais paulista, mineira, fluminense, pernambucana, baiana, catarinense, amazonense, etc. A estória foi contada bem a grosso modo; um pouco exagerada e caricaturizada, é verdade, mas o que é a vida para os abortistas? Mais especificamente, o que é a vida para os petistas que idealizaram o Projeto Nacional de Desenvolvimento Humano 3 (PNDH-3), que aprova, dentre outras aberrações, a descriminalização do aborto, sob a alegação da “autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos” (Diretriz 9; Objetivo Estratégico III, letra g)? “Autonomia das mulheres para decidir sobre seus corpos”… E quem decide sobre a vida, quem é? Verifica-se que para esse pessoal (inclusive para a nossa Érica, se a carapuça assim servir) o feto é somente um “corpo estranho” (literalmente) que a mulher pode retirar da sua barriga a hora que quiser, assim como se tira um espinho ou um caco de vidro do pé.

O mais irônico de tudo é que nosso Excelentíssimo Senhor Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um dito “defensor” dos direitos humanos e dos ideais de igualdade, liberdade e fraternidade, no texto de apresentação ao PNDH-3, diz que

Todos esses avanços são robustos e animadores, mas não podem esconder os problemas ainda presentes. […] Refiro-me à violência que ainda mostra índices alarmantes nas grandes cidades; à prostituição infantil; grupos de extermínio; persistência do trabalho escravo e do trabalho infantil [p. 13].

De fato, descriminalizar o aborto deve ser mesmo “robusto e animador” para alguém que não sabe o real significado das palavras vida, direitos humanos e liberdade, conceitos que ele tanto diz cultuar. Será que ele enxergaria os idealizadores desse projeto maligno, bem como as inúmeras clínicas abortistas (que deixarão de ser clandestinas, se Dilma for eleita!) como esse tal “grupo de extermínio” que ele condenou acima? É óbvio que não! Por que? Porque ele mesmo diz que

Não haverá paz no Brasil e no mundo enquanto persistirem injustiças, exclusões, preconceitos e opressão de qualquer tipo. A equidade e o respeito à diversidade são elementos basilares para que se alcance uma convivência social solidária e para que os Direitos Humanos não sejam letra morta da lei. Este PNDH-3 será um roteiro consistente e seguro para seguir consolidando a marcha histórica que resgata nosso País de seu passado escravista, subalterno, elitista e excludente, no rumo da construção de uma sociedade crescentemente assentada nos grandes ideais humanos da liberdade, da igualdade e da fraternidade [p. 13].

Um testemunho: eu tinha dito para mim mesmo que política não era, definitivamente, a minha “praia”, mas essas coisas instigaram meu interesse. Eu até nem mesmo sabia exatamente porque o PT era maligno (a não ser pelo fato de eu detestar a esquerda comunista histórica), mas agora me convenço de que a ideologia que o estrutura é mesmo anticristã (em primeira instância) e desumana (em última). Infelizmente, o povo parece não perceber isso. Como diria Paulo, o “deus deste século” tem cegado seus entendimentos (2 Co 4.4). Quando se promete internet grátis, mais escolas e mais hospitais, as pessoas parecem não enxergar mais a necessidade de Cristo, Aquele que redime o homem desse cativeiro moral, espiritual e, por que não, ideológico. E o pior de tudo é que a cegueira é tão grande que até mesmo projetos explicitamente desumanos como esses são recebidos com entusiasmo e expectativa, inclusive por alguns cristãos que já se decidiram pelo PT, a quem lhes dou os meus sinceros pêsames escatológicos, se não se arrependerem de seus maus caminhos.

Não estou escrevendo para convencer os cristãos que estão prestes a votar no PT para a presidência da República a não fazê-lo (uma vez que nem mesmo a Bíblia eles ouvem!), mas para que pelo menos reflitam sobre os desdobramentos que hão de resultar disso. E esse meu clamor se estende até mesmo àqueles que não se julgam como cristãos, mas que pelo menos ainda prezam por valores como vida, família, igualdade e liberdade. Será que em algum lugar desse mundo alguém já se colocou no lugar do abortado? Melhor: alguém gostaria de ser alijado precocemente da placenta de sua mãe somente para não ser um estorvo (ainda mais agora, que a cadeirinha é obrigatória no banco traseiro), um estraga-prazeres, um aperta-orçamento? Mas parece que muitos não dão a mínima para isso. E é exatamente por isso que as “éricas” espalhadas por aí seguem jogando vidas interrompidas na lata do lixo, aos cuidados do primeiro gato que aparecer. Afinal de contas, por que me preocupar se o abortado não sou eu?

Que Deus tenha misericórdia de nós!

Soli Deo Gloria!

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O PNDH-3 pode ser aqui: http://portal.mj.gov.br/sedh/pndh3/pndh3.pdf

A Bíblia pode ser lida aqui: http://www.bibliaonline.com.br/

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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Vai um chocolate de licor aí?

chocolatelicorO excesso de escrúpulo de certos crentes me assusta. Ou seria fanatismo mesmo? Ou insensatez? Ou os três? Bom, deixa pra lá. Hoje um colega contou que entrou numa loja para comprar chocolates. E, enquanto realizava sua compra, um crente que também estava na loja se recusava a provar um chocolate somente porque continha licor. “Isso aí tem álcool. É coisa do diabo. Não vou comer”, exclamava. Sua atitude arrancou risos e comentários sarcásticos do pessoal que estava na loja. Inclusive desse meu colega, que lhe fez a seguinte sugestão: “se não quer, então deixa pra mim” – o que deve ter aumentado mais ainda os decibeis das gargalhadas.

Será que essas pessoas estavam rindo da “loucura de Deus”, da qual fala Paulo (1 Co 1.18ss), ou da loucura dos crentes? Será que esse irmão pensou que estava mesmo dando bom testemunho ao recusar um chocolate somente porque continha um teor irrisório de álcool? Será que ele esperava que os incrédulos o vissem como uma pessoa realmente “diferente” (“sal da terra… luz do mundo” ) ou “alienada” (“se o sal vier a perder o sabor”… “não vos peço que os tire do mundo”…)? Ou será que ele estava com medo de ser pego no teste do bafômetro?

Fiquei pensando em como ele me julgaria se me visse tomando uma taça de vinho, ou ouvindo música secular, ou citando Fernando Pessoa em uma pregação. Será que ele diria que eu também sou “do diabo”? A propósito, vai um chocolate de licor aí?

Soli Deo Gloria!

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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Quando os pastores caem e as ovelhas não veem

queda1Pior do que a queda de um pastor é a cegueira daquelas ovelhas que ficam tentando mascarar o que aconteceu com conceitos suaves. Elas ainda o tem como seu herói, muito embora seu pecado tenha sido tão grosseiro a ponto de repercutir na sociedade como “algo inadmissível para alguém que se julga ministro do evangelho”. Sem querer desconsiderar outras causas, geralmente são os escândalos sexuais quem estão no pivô desse burburinho.

Quando se trata de adultério, geralmente o desprezo é maior. O pastor é logo tachado de “cafajeste”, e dificilmente terá o respeito de suas ovelhas novamente. “É um caso sem solução”, muitos asseveram. “Ele vivia ‘dando em cima’ das irmãs”, dizem nos corredores. Mas quando se trata de homossexualismo, por exemplo, a tendência é sempre acolher, principalmente entre os jovens. Não é interessante isso? E, quando chega um pastor novo para assumir a igreja, as comparações são inevitáveis, uma vez que “o pastor tal era mais divertido e dinâmico, enquanto que esse aí é muito enfandonho, antiquado e chato”!

Tal fato demonstra que a igreja (desta vez, não só a juventude) está imersa numa confusão ética sem precedentes – já não sabe mais fazer distinção entre o bem e o mal. É partidária, imatura. Vive a clamar pela libertação de Barrabás, tal qual a multidão incrédula perante Pilatos (Jo 18.40).

É óbvio que não estou defendendo, aqui, que o homossexualismo é pior do que o adultério, pois ambas as coisas são abomináveis diante de Deus. Ambas levam o pecador não-redimido ao inferno. O que me intriga, de fato, é ver que aqueles que se julgam imparciais e amorosos para com os pecadores são absolutamente (sim, absolutamente!) suspeitos.

Quando os pastores caem e as ovelhas não veem ambos caem no barranco (cf. Lc 6.39).

Soli Deo Gloria! 

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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Meus livros [1]

cristianismo sem cristoA primeira coisa que minha esposa disse para mim quando cheguei do trabalho ontem foi que tinha uma “boa notícia” para me dar. Fiquei pensando por uns segundos o que poderia ser, mas sem sucesso. Foi quando ela pegou um pacote que havia chegado dos Correios. Tratava-se dos dois livros que comprei pela Livraria Erdos: Cristianismo sem Cristo, de Michael Horton (Cultura Cristã), e Igreja Emergente: o movimento e sua implicações, de D. A. Carson (Vida Nova). Minha intenção inicial era começar a ler o do Carson, já que recentemente estive pesquisando sobre o movimento de igreja emergente. Mas, ao folhear Horton, não parei mais. O livro é de tirar o fôlego! Já comecei a rabiscá-lo todo. O pior é que, em se tratando de um pensador do calibre dele, fico tentando a sair sublinhando praticamente todas as linhas. Mas estou me segurando. Pretendo, assim que terminar de lê-lo, postar uma breve resenha aqui no blog. Mas também sei que Carson promete. E, pelo que vi quando folheei, e como promete!

Deus seja louvado por publicações tão enriquecedoras como essas!

Soli Deo Gloria!

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domingo, 22 de agosto de 2010

De Mano Menezes a Eduardo Mano, a palavra é "renovação"

É verdade que o cantor e compositor evangélico Eduardo Mano não é tão famoso quanto seu outro “Mano”, o Menezes, mas os dois tem algo em comum. Se a proposta do Menezes é renovar a seleção brasileira, recuperando seu prestígio no cenário mundial com o seu característico “futebol arte”, encabeçado por Neymar, Ganso & Cia, a do Eduardo é trazer de volta, se não o prestígio, pelo menos a pureza doutrinária da música cristã, tão banalizada nos últimos tempos pela turma do movimento “gospel”. E aqui as semelhanças terminam: se o Mano famoso está justamente seguindo o coro dos cerca de 300 milhões de “treinadores” (dentre os quais me incluo), o Mano desconhecido parece que não cedeu ao convite de tomar banhos de chuva com os moleques travessos e inconsequentes de sua vizinhança.

O disco Canções para Grupos Pequenos não é tão deslumbrante e badalado quanto o atual elenco da seleção brasileira, mas é interessante. Sem pedaladas (a la Neymar) ou pedaleiras (a la Juninho Afram), as músicas são mesmo feijão-com-arroz, com apenas voz, violão, contrabaixo e percussão de leve (o cd é tipo “caseiro” mesmo). O porquê está na contracapa do disco: composto de “canções simples, gravadas de maneira simples e com poucos instrumentos […] É uma coletânea que busca exaltar a Deus e dar a Ele a glória que Lhe é devida. Seu formato simples é justamente um incentivo para que suas canções sejam usadas em Grupos Pequenos, Grupos Familiares, ECOs, reuniões de oração e culto a Deus”. De fato, pela simplicidade dos arranjos, dá pra perceber que a ênfase não recai sobre quem canta, mas em sobre o que se canta.

Não sei se o autor é calvinista, mas o disco ecoa algumas doutrinas distintivamente reformadas [1]. Por exemplo, na canção de abertura, chamada “Reinas Soberano”, podemos ver um misto de Soberania de Deus e Depravação Total:

Tua luz invadiu a escuridão que havia em meu viver/ Teu perdão consentiu que meu coração voltasse a bater/ Estava morto em meus delitos, eu já não tinha paz/ A esperança estava longe de mim/ Mas Tu vieste e abriste a porta/ Entraste e limpasse meu ser/ E hoje reinas soberano no trono que há em mim.

O autor também nos avisa que esta mesma salvação, longe de ser mera e unicamente contemplada ou entendida, também deve ser exercida. É o que nos diz a segunda faixa, chamada “Eterno”:

Se hoje vivo é para Ti/ Pra Tua Glória refletir/ E exercer a salvação, em todo tempo.

As cinco faixas restantes seguem o mesmo padrão, ainda que com intensidades teológicas diferentes. Mas o disco é majoritariamente doxológico. “Honra e louvor sempre Te darei/ Pois Tu És Deus/ Tu És Deus, e eu não sou”, diz a faixa de número 5 (“Tu És Deus”). É bem verdade que falta certa profundidade em algumas outras canções, mas pelo menos o autor foge daquele tipo de ambiguidade que vemos em muitos “hinos” contemporâneos, onde não sabemos se certas canções são dirigidas a Deus, às namoradas ou a si próprio. É bem verdade também que, musicalmente falando, o disco possa ser clichê e simplista demais, mas eu particularmente não o trocaria por certas “asneiras sofisticadas” que existem por aí. Para quem curte um som mais acústico tipo “luau”, o cd do nosso Mano é uma boa pedida.

E aqui vou eu, levando as músicas no meu pen drive para ouvir enquanto dirijo. Quanto paguei pelo disco? Nada. Foi “0800” mesmo. Pirataria? Violação dos direitos autorais? Não. Foi o autor mesmo quem disponibilizou para download seu trabalho em mp3 para quem quiser ouvir! E, de lambuja, disponibilizou também as cifras para violão. Acesse eduardomano.net e confira você mesmo. Fica a sugestão.

Soli Deo Gloria!

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[1] É bom que fique claro que estas são apenas as minhas impressões, tanto em relação à referida canção quanto ao disco de um modo geral, e que, portanto, podem não representar necessariamente a opinião de outros calvinistas.

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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Da “ditadura” dos insights

ideia1Quem escreve sabe como é difícil se desvencilhar de um “insight” que acaba de acender na mente, ainda mais quando o mesmo é quase “genial” (na maioria das vezes, somente o dono acha isso). Aconteceu comigo por esses dias. Ao ler a matéria de Época sobre “os novos evangélicos”, e depois de ler os comentários de alguns blogueiros sobre a mesma, me veio à mente escrever uma postagem intitulada “Novos evangélicos para uma velha Época” (o trocadilho flagrante dispensa comentários, não é mesmo?). Fiquei horas a fio para tentar articular alguma coisa, e nada – não que faltasse sobre o que falar, mas o problema é se eu estaria sendo de alguma forma original. Ora, após ler o excelente comentário que o Augustus Nicodemus fez sobre a referida matéria, o que sobraria para mim? CRTL+C e CTRL+V os pontos que ele anotou? Desta vez não… Afinal de contas, eu queria mais ver os pontos negativos (e algumas possíveis implicações) da matéria do que propriamente inventar uma roda totalmente nova e surpreendentemente não-redonda.

Resolvi “arquivar” o insight por chegar à conclusão de que ele nada acrescentaria de relevante. E da próxima vez vou ficar mais esperto com essa verdadeira “ditadura” que vez por outra eles nos impõem (e aproveitar pra exercitar o tal do “domínio próprio”).

Soli Deo Gloria!

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