domingo, 22 de agosto de 2010

De Mano Menezes a Eduardo Mano, a palavra é "renovação"

É verdade que o cantor e compositor evangélico Eduardo Mano não é tão famoso quanto seu outro “Mano”, o Menezes, mas os dois tem algo em comum. Se a proposta do Menezes é renovar a seleção brasileira, recuperando seu prestígio no cenário mundial com o seu característico “futebol arte”, encabeçado por Neymar, Ganso & Cia, a do Eduardo é trazer de volta, se não o prestígio, pelo menos a pureza doutrinária da música cristã, tão banalizada nos últimos tempos pela turma do movimento “gospel”. E aqui as semelhanças terminam: se o Mano famoso está justamente seguindo o coro dos cerca de 300 milhões de “treinadores” (dentre os quais me incluo), o Mano desconhecido parece que não cedeu ao convite de tomar banhos de chuva com os moleques travessos e inconsequentes de sua vizinhança.

O disco Canções para Grupos Pequenos não é tão deslumbrante e badalado quanto o atual elenco da seleção brasileira, mas é interessante. Sem pedaladas (a la Neymar) ou pedaleiras (a la Juninho Afram), as músicas são mesmo feijão-com-arroz, com apenas voz, violão, contrabaixo e percussão de leve (o cd é tipo “caseiro” mesmo). O porquê está na contracapa do disco: composto de “canções simples, gravadas de maneira simples e com poucos instrumentos […] É uma coletânea que busca exaltar a Deus e dar a Ele a glória que Lhe é devida. Seu formato simples é justamente um incentivo para que suas canções sejam usadas em Grupos Pequenos, Grupos Familiares, ECOs, reuniões de oração e culto a Deus”. De fato, pela simplicidade dos arranjos, dá pra perceber que a ênfase não recai sobre quem canta, mas em sobre o que se canta.

Não sei se o autor é calvinista, mas o disco ecoa algumas doutrinas distintivamente reformadas [1]. Por exemplo, na canção de abertura, chamada “Reinas Soberano”, podemos ver um misto de Soberania de Deus e Depravação Total:

Tua luz invadiu a escuridão que havia em meu viver/ Teu perdão consentiu que meu coração voltasse a bater/ Estava morto em meus delitos, eu já não tinha paz/ A esperança estava longe de mim/ Mas Tu vieste e abriste a porta/ Entraste e limpasse meu ser/ E hoje reinas soberano no trono que há em mim.

O autor também nos avisa que esta mesma salvação, longe de ser mera e unicamente contemplada ou entendida, também deve ser exercida. É o que nos diz a segunda faixa, chamada “Eterno”:

Se hoje vivo é para Ti/ Pra Tua Glória refletir/ E exercer a salvação, em todo tempo.

As cinco faixas restantes seguem o mesmo padrão, ainda que com intensidades teológicas diferentes. Mas o disco é majoritariamente doxológico. “Honra e louvor sempre Te darei/ Pois Tu És Deus/ Tu És Deus, e eu não sou”, diz a faixa de número 5 (“Tu És Deus”). É bem verdade que falta certa profundidade em algumas outras canções, mas pelo menos o autor foge daquele tipo de ambiguidade que vemos em muitos “hinos” contemporâneos, onde não sabemos se certas canções são dirigidas a Deus, às namoradas ou a si próprio. É bem verdade também que, musicalmente falando, o disco possa ser clichê e simplista demais, mas eu particularmente não o trocaria por certas “asneiras sofisticadas” que existem por aí. Para quem curte um som mais acústico tipo “luau”, o cd do nosso Mano é uma boa pedida.

E aqui vou eu, levando as músicas no meu pen drive para ouvir enquanto dirijo. Quanto paguei pelo disco? Nada. Foi “0800” mesmo. Pirataria? Violação dos direitos autorais? Não. Foi o autor mesmo quem disponibilizou para download seu trabalho em mp3 para quem quiser ouvir! E, de lambuja, disponibilizou também as cifras para violão. Acesse eduardomano.net e confira você mesmo. Fica a sugestão.

Soli Deo Gloria!

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[1] É bom que fique claro que estas são apenas as minhas impressões, tanto em relação à referida canção quanto ao disco de um modo geral, e que, portanto, podem não representar necessariamente a opinião de outros calvinistas.

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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Da “ditadura” dos insights

ideia1Quem escreve sabe como é difícil se desvencilhar de um “insight” que acaba de acender na mente, ainda mais quando o mesmo é quase “genial” (na maioria das vezes, somente o dono acha isso). Aconteceu comigo por esses dias. Ao ler a matéria de Época sobre “os novos evangélicos”, e depois de ler os comentários de alguns blogueiros sobre a mesma, me veio à mente escrever uma postagem intitulada “Novos evangélicos para uma velha Época” (o trocadilho flagrante dispensa comentários, não é mesmo?). Fiquei horas a fio para tentar articular alguma coisa, e nada – não que faltasse sobre o que falar, mas o problema é se eu estaria sendo de alguma forma original. Ora, após ler o excelente comentário que o Augustus Nicodemus fez sobre a referida matéria, o que sobraria para mim? CRTL+C e CTRL+V os pontos que ele anotou? Desta vez não… Afinal de contas, eu queria mais ver os pontos negativos (e algumas possíveis implicações) da matéria do que propriamente inventar uma roda totalmente nova e surpreendentemente não-redonda.

Resolvi “arquivar” o insight por chegar à conclusão de que ele nada acrescentaria de relevante. E da próxima vez vou ficar mais esperto com essa verdadeira “ditadura” que vez por outra eles nos impõem (e aproveitar pra exercitar o tal do “domínio próprio”).

Soli Deo Gloria!

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sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Uma Palavrantiga aos novos adoradores

palavrantigaEu que pensei que a música cristã não tinha mais solução, haja vista que o rótulo de “gospel” se incrustou em sua pele, me alegro em ver que meus presságios não se confirmaram. Recebi de bom grado a sugestão de alguns amigos que, algum tempo, me recomendaram o som feito pelos caras do Palavrantiga. De fato, a banda é muito boa!

O som deles não é apenas para quem está farto das “chuvas” que frequentemente estão caindo no cenário musical gospel, mas principalmente para aqueles que querem realmente enxergar algo de sóbrio na cultura cristã bíblica e histórica. É bem verdade que Calvino provavelmente estranharia a guitarra estridente (do bom e velho rock n’ roll, diga-se de passagem) do Josias Alexandre, mas fica a sugestão. Recomendo a todos!

Soli Deo Gloria!

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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Anônimos: o que fazer com eles?

anônimo1 Eu não sou muito de dedicar postagens inteiras aos anônimos que aparecem por aqui, muito menos de publicar seus comentários (a menos que sejam assinados, e ainda assim com reservas), mas agora me irritei de verdade. Quer dizer, já faz um tempo que ando irritado com alguns que rondam a área, mas essa foi a gota d’água. Comparo a situação com aquele cartão amarelo que o jogador de futebol recebe não tanto pela gravidade da falta que ele acabou de cometer, e sim pela sequência de infrações anteriores. Nesse caso, estou me colocando no lugar da canela do adversário.

Publiquei um texto em meu outro blog, o 5 Calvinistas (com quem divido com quatro amigos), cujo título é “Diga NÃO ao ‘karlvinismo!’”. O texto é tão curto que vou reproduzi-lo na íntegra:

Provavelmente você nunca ouviu esse termo antes, mas certamente já deve ter encontrado algum “karlvinista” por aí. Que bicho é esse? Bem, é uma mistura de Karl Marx com Calvino; ou, como queiram, de protestantismo reformado com socialismo. Que existem protestantes que abraçam os ideiais socialistas todo mundo sabe (preciso citar exemplos?), mas que existem calvinistas comunistas é algo mais difícil de imaginar. Mas o fato é que os tais existem, sim. Eles defendem ao mesmo tempo a soberania de Deus e a do Estado (mas se o cerco apertar ele fica com o Estado), e estão prestes a dar as caras agora, em tempos de eleições. Quem sabe algum apareça por aqui.

Eu, pessoalmente, digo “NÃO!” ao karlvinismo. E você?

Para minha ingrata surpresa, o primeiro comentário que recebi foi justamente de um deles: um anônimo! A “profecia” da última frase do primeiro parágrafo da minha postagem (“quem sabe algum apareça por aqui”) se cumpriu, embora eu não saiba se o tal anônimo é mesmo um karlvinista. Antes fosse mesmo um karlvinista devidamente identificado, com profile e tudo o mais, mas um anônimo? Ninguém merece! Seu comentário foi o que se segue:

Eu digo não a qualquer partidarismo travestido de piedade, inclusive o do texto acima.

Sinceramente, não sei por que esses anônimos tem tanto medo de se identificar. Será que eles acham mesmo que os calvinistas são terroristas? Acho que não. O fato é que eles são covardes mesmo. Não dão a cara a tapas. Não querem debater, mas somente alfinetar – e de longe. Confesso que já recebi comentários bem mais beligerantes do que este. Mas, como falei, o cartão amarelo (ou seria logo o vermelho?) é mais pela sequência de faltas mesmo. [Caro anônimo, não se sinta um “bode expiatório” por isso, tá?]

O mais interessante é que ele vem questionar a minha piedade, justamente ele, um sem-identidade; um mero agitador. Os anônimos fazem isso para demonstar às pessoas que são “pacíficos” e “piedosos”, angariando a simpatia dos desavisados. Qual é a ideia? Jogar mais uma pá de cal? Botar mais lenha na fogueira e cair fora? Notem que ele não usou argumentos para me refutar, mas somente a crítica pela crítica, e só. Como falei anteriormente, antes fosse ele de fato um karlvinista, ou até mesmo um ateu, porque pelo menos debateríamos ideias. Mas os anônimos parecem não ser mesmo capazes disso, de dizer o porquê discordam das coisas. Ora, quando se discorda de alguém o mínimo que se deve fazer é justificar a discordância pela argumentação, ainda que breve. Mas os anônimos não. Eles não tem muito o que argumentar, porque, visto que não tem personalidade, consequentemente parecem não raciocinar bem.

Não tenho mais nada a falar, mas aos anônimos só digo uma coisa: podem comentar à vontade, mas não publicarei seus desaforos. Não vou dar essa moral para vocês. E também não tratarei vocês como irmãos em Cristo, visto que suas atitudes não o demonstram. Se querem dialogar, criem pelo menos um profile, ora essa! E que não seja fake, por favor – já me basta a “fé” que vocês parecem possuir.

Sem mais palavras,

Leonardo Galdino.

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terça-feira, 10 de agosto de 2010

Por que crescemos tão pouco?

Na igreja em que congrego uma irmã levantou um questionamento mais que legítimo: “por que nossa igreja cresce tão pouco”? Era mais uma reunião de doutrina na Primeira Igreja Presbiteriana em Santarém/PA. Certamente que a questão não era nova, mas naquele exato momento, pelo menos para mim, ela assumiu um caráter inquietante. Era óbvio que a irmã estava se referindo à igreja local, e não à denominação propriamente dita. Um irmão citou estatísticas que apontam mais ou menos a membresia total de presbiterianos no Brasil – algo perto dos 1 milhão de membros, se não estou enganado – e concluiu dizendo que nossa representação numérica, perto de outras denominações igualmente históricas e da população total de nosso país, é ínfima. Eu me reportei ao crescimento da fé reformada de um modo geral (ao Neocalvinismo), que a Times (aqui) recentemente incluiu entre as dez ideias mais influentes no mundo de hoje. “Na lista”, disse eu, “ocupamos o terceiro lugar”. Mas a irmãzinha estava se referindo à igreja local. Ela queria saber o porquê dos nossos bancos vazios nos domingos, e não se o chamado “novo calvinismo” está em voga no mundo das ideias. E agora, como aliar as duas coisas: identidade denominacional e crescimento da igreja local? Quem pretere quem?

A conversa tomou um rumo em que as comparações foram inevitáveis. “Mas a igreja tal cresce tanto, e por que nós não”? Então, começamos a falar um pouco sobre a metodologia de crescimento adotada em muitas igrejas que crescem vertiginosamente. O tom que a conversa assumiu foi mais ou menos o de que as igrejas que crescem com metodologia de marketing, governo G-12, células e etc. (ou seja, basicamente as igrejas neopentecostais e emergentes), quando não embotam, até influenciam o crescimento das igrejas históricas, quando estas resolvem usar estratégias semelhantes. Essa mesma irmã que levantou a questão sobre o não-crescimento de nossa igreja citou o exemplo de uma determinada denominação que cresce muito aqui em Santarém (a maior igreja daqui, na realidade), e disse que uma das marcas daquele ministério é a oração. “Há um grupo de pessoas que oram o dia inteiro, revezando-se entre si, enquanto que nossa igreja ora tão pouco” – disse ela, apontando uma possível causa para nossa falta de crescimento. Os mais preocupados (dentre os quais me incluo) com o “encanto” que tal denominação tem exercido sobre alguns membros de nossa igreja rapidamente rebateram dizendo que a referida igreja, ainda que esteja crescendo, é muita suspeita em sua doutrina. Por exemplo, seu pastor-presidente recentemente virou “apóstolo”, algo com que não compactuamos. Mas a irmã estava falando sobre oração, e ela tinha razão quando falou que oramos tão pouco. “As quintas-feira de oração não existem mais em nossa igreja”, arrematou.

Resolvemos tirar um sábado inteiro para orar por nossa igreja, com irmãos revezando a cada uma hora. Na realidade não foi o dia inteiro, e sim meio: das oito da manhã às oito da noite. Das 19h às 20h fizemos uma breve reunião de encerramento, e a reflexão ficou por minha conta. O número de irmãos que compareceram foi tão irrisório que deu até para contar nos dedos, e com sobra! Contudo, minha palavra foi breve. Dentre outras coisas, falei sobre como questionamos mais sobre o crescimento de uma igreja do que sobre a vida de oração dos seus membros. Citei o exemplo dos puritanos, que costumavam ter em suas casas um quartinho exclusivo para orar. Também aludi a John Knox, o “patriarca do presbiterianismo”, que orava incessantemente: “Senhor: dá-me a Escócia ou eu morro”! Inclusive cheguei a dizer que uma das perguntas que a Bíblia me faz em suas entrelinhas e que mais me envergonha é: como vai a sua vida de oração? Temos a melhor doutrina (a reformada), é verdade, mas e a prática? Temos imitado nossos pais, de quem tanto nos orgulhamos? Naquela noite nos sentimos tão pequenos!

Mas a conversa sobre o porquê de crescermos tão pouco ficou inconclusa. Resolvi, via solilóquio, pesquisar mais sobre o assunto para expor na escola dominical, interrompendo por ora nosso estudo na carta de Paulo aos Romanos. Minhas conclusões não refletem necessariamente a realidade geral de minha denominação, é claro. Somente quero pensar com minha igreja local sobre os rumos que ela tomará daqui pra frente, muito embora nossas reflexões sobre a vida de oração que temos levado já tenham me oferecido valiosos indicadores. Que Deus tenha misericórida de nós!

Soli Deo Gloria!

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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

“Algumas certezas, muitas dúvidas” – Sobre a fé incrédula da espiritualidade pós-moderna

dúvida4 É interessante como o lema da propaganda do seriado global Malhação, algumas certezas, muitas dúvidas”, tem tudo a ver com o tipo de “espiritualidade” que muitos evangélicos tem abraçado nos dias de hoje. Ao contrário da espiritualidade do antigo Evangelho, que sempre se pautou mais pelas certezas do que pelas dúvidas dos crentes, o que pode ser percebido pela grandeza dos credos e confissões de fé antigas, a nova espiritualidade não apenas se firma sobre um terreno movediço, mas também parece até se orgulhar disso. E não estamos falando daquele tipo de questionamento sobre se o batismo deve ser por imersão ou por aspersão; ou se as mulheres devem ou não orar no culto, mas se os pontos fundamentais do cristianismo são mesmo tão fundamentais assim. Para quem ainda não a conhece, esta é a boa (ops!) e velha incredulidade, que na maioria das vezes se esconde sob a capa de um dócil espírito piedoso.

Ricardo Gondim escreveu um livro cujo título reflete muito bem o que propõe esse tipo de espiritualidade. O livro se chama Eu creio, mas tenho dúvidas – a graça de Deus e as nossas frágeis certezas [o negrito não é meu], e foi lançado pela editora Ultimato em 2007. Apesar do título aparentemente inofensivo e “piedoso”, o livro, que na realidade é uma coletânea de artigos do autor, no conjunto se mostra um verdadeiro amálgama não de crenças, mas de descrenças (salvo alguns capítulos em que ele apropriadamente rejeita o evangelho da prosperidade e outras esquisitices neopentecostais), onde há endossos (por vezes explícitos) a engodos como a teologia relacional e as teorias desconstrucionistas de Foucault e Derrida, somente para citar os mais relevantes. Curiosamente, o mesmo Ricardo Gondim fez a apresentação de outro livro com o mesmo tema, agora lançado pela editora Mundo Cristão, cujo título é Fé e Descrença, de autoria de Ruth Tucker (na realidade, o evento foi um debate sobre o assunto do livro, promovido pela própria editora). Confesso que não li toda a obra, mas a julgar pelo seu próprio título e também pelo tema abordado por Gondim em sua palestra de apresentação, a qual ele sugestivamente intitulou de “A fé de mãos dadas com a dúvida” (aqui), nem é preciso folheá-la toda para saber do que se trata.

O mais interessante é que os duvidosos se mostram sempre muito humildes e, na maioria dos casos, muito piedosos. Aliás, é bom que se diga que esta é, na realidade, uma das principais táticas que eles usam para não serem precocemente rechaçados. Na grande maioria das vezes eles adotam uma postura defensiva contra tudo aquilo que eles chamam de cristianismo “elitista”, “desumano”, “opressor”, “arrogante” e até “anticristão”, exaltando conceitos nobres como liberdade, diversidade, justiça e democracia, sempre com o intuito de que as pessoas os vejam como vítimas da “ortodoxia fundamentalista” (a “monolítica teologia evangélica estadunidense”) daqueles que reclamam para si o cristianismo histórico. Assim como existem os marginalizados sociais, os duvidosos se sentem como os “marginalizados teológicos” dessa disputa. Mas cuidado: em alguns casos tudo isso pode não passar de pura ironia.

Arrependo-me de ter aliciado algumas pessoas para meu texto. Atraí alguns imprudentes leitores e eles, coitados, passaram a gostar das minhas doidices autofágicas, das minhas apostasias teológicas e dos meus delírios existenciais. Pior, condenei-me a continuar escrevendo para alimentar esses famintos pintassilgos que, de bico aberto, esperam o insípido pão que regurgito em forma de palavra.

Gondim, Ricardo. Op. cit. p. 13.

É justo reconhecer, entretanto, que nem todos usam essa tática com o fim último de ganhar adeptos, embora isso acabe, no fim das contas, por aliciar gente inconstante e imatura para o terrível, porém convidativo, mar da incerteza, onde há pouquíssima luz e muita escuridão. A despeito de sua crença (ou da falta dela), também é bom que se diga que nem todos os duvidosos são, por assim dizer, libertinos práticos, pois nem todos estão envolvidos em escândalos sexuais, drogas, alcoolismo, lavagem de dinheiro e coisas do tipo, o que não os melhora em muita coisa, é verdade, mas que pelo menos livra suas caras das páginas que os jornais dedicam aos abusos eclesiásticos nossos de cada dia.

Toda essa maré de incertezas me faz crer que a máxima modernista de que “tudo o que é sólido desmancha-se no ar” (Marx) parece ter encontrado terreno fértil na religiosidade dos dias atuais. Na cultura hodierna a fé não pode mais sobreviver sem a dúvida. Melhor: as incertezas são infinitamente mais sublimes do que as convicções. A virtude de um homem não está mais na robustez de sua fé, e sim na fragilidade da mesma. Incrível isso, não? Como diria Humberto Gessinger, líder da banda de rock Engenheiros do Hawaii, “a dúvida é o preço da pureza, e é inútil ter certeza”. Ora, é o próprio deus (de cognome “Papai”) do best-seller A Cabana quem diz que “a fé não cresce na casa da certeza”. Se foi “Deus” mesmo quem disse, o que questionar? Até mesmo o Espírito Santo (de cognome “Sarayu”) disse que “gosto demais da incerteza”. E, para que toda a Trindade enfim endosse esse culto à dúvida, só falta o parecer de Jesus, que não diz exatamente que está “incerto” quanto a algo, mas hilariamente declara que “eu não sou cristão” e que “minha vida não se destinava a tornar-se um exemplo a copiar”[1]. De fato, numa sociedade onde nem a própria divindade crê mais em uma verdade absoluta, nada disso surpreende.

Mas apesar de estar bastante em voga nos dias de hoje, essa temática na realidade é bem antiga. Não, não estou me referindo às teorias ateias de Marx nem ao Iluminismo, muito menos aos seus filhotes – os liberais. Estou me remontando ao Éden, pois foi lá que a guerra pela Verdade adentrou na História. Com uma clareza mais que indubitável, Deus havia dito ao casal que ele acabara de criar que se eles comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal certamente morreriam. Deus não disse que “provavelmente” a desobediência desembocaria em morte, mas “certamente morrerás” (Gn 2.17). Então a serpente, o mais sagaz de todos os animais selváticos, semeou a dúvida na mente de Eva: “Foi assim que Deus disse: não comereis de toda árvore do jardim?” (Gn 3.1). O resultado final foi que o casal acabou cedendo à tentadora oferta que Santanás lhes propôs, a de ser “como Deus”, tendo sido lançada naquele dia as bases de um piso escorregadio que até hoje tem levado a humanidade a deslizar e cair em todas as formas de paganismo. E é justamente por isso que a dúvida tem conquistado o seu espaço no panteão moderno como uma divindade digna de ser adorada.

Àqueles que me oferecem, muito obrigado, mas eu não quero abraçar essa tal “espiritualidade”, pois ela propõe exatamente um outro deus, apesar de este ser sempre inclusivo, não preconceituoso e indulgente para com tudo, até mesmo para com os nada-indulgentes cristãos “tradicionais”. Não quero essa espiritualidade porque ela cheira àquilo que Paulo tanto advertiu a Timóteo, de que certas pessoas ostentariam um certo tipo de “piedade”, mas que no fim de tudo negariam o poder desta tanto por seu credo quanto por suas práticas malignas (2Tm 3.5), ainda que estas reluzissem como verdade (cf. 2Co 11.14). Não quero essa tal espiritualidade porque ela me faz lembrar dos místicos medievais, que, de tanto abraçar o “mistério”, acabaram por reduzir a fé cristã a meros exercícios ascéticos e contemplativos, mantendo viva a tocha gnóstica que os pais primitivos tanto lutaram para apagar. E por fim, não quero essa tal espiritualidade porque no fim das contas ela acaba desacreditando daquilo que o apóstolo denominou de “coluna e baluarte da verdade”: a igreja (1Tm 3.15).

Vou ficar mesmo com a fé do cristianismo histórico, que, a despeito da fragilidade de seus personagens, certamente diria com a mais firme convicção que as certezas sempre sobrepujam as dúvidas, ainda que estas não sejam poucas.

Soli Deo Gloria!

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[1] Young, William P. A Cabana. Editora Sextante. As citações “entre aspas” encontram-se nas páginas 176, 190, 168 e 136, respectivamente.

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quinta-feira, 5 de agosto de 2010

“Você adora, a Som Livre toca”: Uma breve reflexão sobre a indústria fonográfica gospel globalizada

somlivre1Que a Rede Globo tem flertado com a cultura gospel há algum tempo já não é mais novidade para ninguém. Portanto, não vou bancar o tipo “apocalíptico” (desatualizado, diga-se de passagem) aqui. Só me incomoda o fato de muitos ainda não perceberem que estão se deixando seduzir pelo canto da sereia, ou melhor, pelo canto do atraente mercado fonográfico. Vou explicar.

Para os “adoradores” desavisados a proposta da propaganda que a Som Livre (gravadora da Globo) tem veiculado nesses últimos dias é irresistivelmente arrebatadora: “Você adora, a Som Livre toca”. Até mesmo aqueles crentes que diziam que “a Rede Globo é do capeta” já estão mudando de opinião e vislumbrando-a como uma potencial aliada. Ainda há aqueles que não hesitam em afirmar que ela “se converteu”, somente pelo fato de termos música gospel tocando em novela e coisas do tipo, algo bastante difícil de se imaginar algum tempo atrás. Junte-se a isto também o fato de alguns atores e funcionários que lá trabalham se declararem evangélicos, fato (?!) que vem para acabar de uma vez por todas com a suspeita daqueles mais desconfiados. ABRE PARÊNTESE. Acho que denominações como a Igreja Batista a Paz do Senhor e Anti-Globo estão com os seus dias contados! FECHA PARÊNTESE.

O que certos “adoradores” não percebem, entretanto, é que tudo é pura jogada de marketing. O próprio slogan da referida propaganda é ambíguo. “Você adora”… Mas “adora” em que sentido: religioso ou comercial? A propaganda está dizendo algo do tipo “enquanto você levanta as mãos para o céu, a gente toca uma melodia celestial” ou “enquanto você se concentra em consumir, a gente se concentra em saciar a sua sede”? Penso que, pelo fato de se tratar de apenas mais um jargão publicitário da Globo, e tendo em vista o perfil de “adoradores” que a pós-modernidade tem produzido, a segunda cláusula é mais plausível. Até mesmo porque os consumidores de música gospel não são necessariamente cristãos. É perfeitamente possível ver alguém se embriagando de cachaça numa roda de pagode (ou de qualquer outro tipo) e ainda assim desejar subir “como Zaqueu”; ou alguém que se divorciou pela segunda ou terceira vez e ainda se considera “firme nas promessas”, esperando o dia em que poderá, enfim, declarar para todos os que o cercam: “hoje o meu milagre vai chegar”.

A realidade é que a Globo percebeu que está ganhando um número considerável de evangélicos (e simpatizantes) para o seu reino, e por isso ela agora investe pesado em entretenimento para o seu mais novo rebanho da vez. E nessa empreitada ela acaba matando dois coelhos, ou melhor, duas ovelhas com uma só cajadada: quem simplesmente usufrui (os “adoradores”) e também quem oferece a mão-de-obra (os artistas).

Mas por enquanto ela está investindo somente em música. Por enquanto! Imaginem o dia em que ela resolver ter o seu próprio programa de televisão gospel? O que será que será?

Soli Deo Gloria!

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