quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Sobre os supostos textos “arminianos” da Bíblia[2] – Análise de 2 Pedro 3.9

Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada; pelo contrário, ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento (Almeida Revista e Atualizada).

[Introdução]

O texto supracitado é largamente usado pelos arminianos como uma prova irrefutável de que Cristo morreu por toda a humanidade. O raciocínio é mais ou menos o que segue: “Como é que Jesus veio morrer por alguns, se o próprio Deus deseja que todos se salvem”? É interessante o fato de que até mesmo um grande teólogo reformado como John Murray endosse exatamente o parecer arminiano. Veja o que ele diz sobre esse mesmo texto:

Deus não deseja que nenhum homem pereça. Seu desejo, antes, é que todos entrem para a vida eterna chegando ao arrependimento. A linguagem nessa parte do versículo é tão absoluta que é altamente anormal encarar Pedro como querendo dizer meramente que Deus não deseja que nenhum crente pereça… A linguagem das cláusulas, então, mais do que naturalmente refere-se à humanidade como um todo… Ela não tem em vista os homens como eleitos ou como réprobos[1].

Sinceramente, não sei porque cargas d’água um teólogo do calibre do John Murray, autor de obras tão consagradas no meio reformado, como o Comentário de Romanos e Redenção – Consumada e Aplicada, tenha errado tão crassamente como ele o fez aqui. Mas isso não me interessa. O que interessa, de fato, é analisar se tanto ele quanto os arminianos estão certos em suas interpretações.

[Análise]

Se o contexto da referida passagem for cuidadosamente observado, a interpretação arminiana não tem como se manter de pé. Para não sermos desnecessariamente longos em nossa exposição, vamos nos deter apenas do versículo 8 em diante, em busca de algumas provas contra a interpretação que os arminianos conferem ao Texto Sagrado.

A primeira prova contra a interpretação arminiana é que Pedro está se dirigindo aos crentes (os “amados”). Senão, vejamos:

    • 2Pe 2.8: “Há, todavia, amados, uma coisa que não deveis esquecer: que para o Senhor um dia é como mil anos, e mil anos, como um dia”.

Haveria uma chance de escape para a interpretação arminiana se Pedro tivesse como objetivo, aqui, corrigir os falsos mestres, dirigindo-se especialmente aos tais. Mas não é isso que a carta como um todo revela. Pedro está escrevendo à igreja, preocupando-se em trazer à lembrança desta as “palavras que, anteriormente, foram ditas pelos santos profetas, bem como do mandamento do Senhor e Salvador, ensinado pelos vossos apóstolos” (2Pe 3.2 – cf. 1.12-14). Seu objetivo é alertá-la contra o ensino dos falsos mestres, que negavam a promessa de Cristo quanto ao seu retorno triunfal (também conhecido como “parousia”). Compreender isto, que é aos crentes que Pedro se dirige, é fundamental para a intepretação da passagem em questão.

Isto posto, chegamos à nossa segunda prova de que a interpretação arminiana está equivocada. Pedro começa o versículo 9 dizendo que “alguns” julgavam que a parousia era uma farsa, haja vista que a promessa de Cristo quanto a ela estava “demorando” para ser cumprida. Pedro, então, explica aos crentes o porquê de Cristo ainda não ter voltado: “ele é longânimo para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento”. Não há dificuldade alguma no texto. Ele é mais do que claro. As palavras que sublinhei só podem se referir aos crentes. Deus é longânimo somente para aqueles a quem Ele não fará perecer. E quem é o único povo que não perecerá? Resposta: a Igreja. Essa verdade é reforçada pelo uso que Pedro faz da palavra grega boulomenos (do verbo boulomai – lit. “ter vontade”, “intentar”) para o “querer” de Deus (“não querendo que nenhum pereça”). Geralmente, essa palavra é usada para designar uma “determinação incontestável” e deliberada da parte de Deus[2].

Mas, suponhamos que os arminianos estejam certos, e que o “todos” a quem Pedro se refere seja mesmo a humanidade inteira. A que conclusões chegaríamos?

  1. Se o retorno tão esperado de Cristo depende mesmo do arrependimento de toda a humanidade, então os falsos mestres contemporâneos de Pedro estão cobertos de razão, pois Jesus, nesse caso, jamais voltará;
  2. Se não é bem esse o caso, então os propósitos de Deus foram frustrados (contrariando Jó 42.2), visto que nem toda a humanidade se arrependerá;
  3. Se também não é esse o caso, então das duas uma: ou os hereges estão certos (o que faria de Jesus um mentiroso, de fato), ou Deus falhou na sua empreitada redentiva. ABRE PARÊNTESE. Este terceiro ponto era para soar redundante, mesmo. FECHA PARÊNTESE.

Como podemos perceber, as próprias premissas do pensamento arminiano para o caso que estamos tratando, se levadas às suas últimas implicações, excluem-se mutuamente. E as conclusões que delas podemos tirar são absurdas!

Somos levados, então, à terceira prova do erro arminiano. Se o versículo 9 ainda está obscuro no que diz respeito a que tipo de pessoa é alvo da longanimidade de Deus para fins salvíficos, então vejamos o que o próprio Pedro diz no versículo 15:

    • 2Pe 3.15: “E tende por salvação a longanimidade de nosso Senhor, como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada”.

Mais uma vez, haveria outra chance remota de escape para os arminianos se esse versículo não estivesse onde está. Mas ele está aí – resoluto, firme, inconteste! E ele está dizendo que nossa salvação só é possível porque Deus é longânimo. E para agravar ainda mais a situação (dos arminianos, é lógico), Pedro resolve fazer referências a Paulo. O texto paulino mais provável que Pedro tem em mente é o de Romanos 2.4. Vejamos o que diz:

    • Rm 2.4: “Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento”?

Vejam só! Paulo está dizendo que somos conduzidos ao arrependimento por causa da bondade de Deus. Isso é maravilhoso! E Pedro não está fazendo aqui uma citação despropositada, como se ele estivesse apenas querendo conferir autoridade ao seu parecer apelando para Paulo. Nada disso. Pedro está simplesmente corroborando uma verdade já anunciada anteriormente pelo apóstolo aos gentios, a saber, que somente chegarão ao arrependimento aqueles a quem Deus dispensar a sua longanimidade.

Pode ser que aqui os arminianos se levantem e vociferem: “se for assim, então há controvérsias”! Eles poderão alegar um outro possível texto paulino, na mesma carta, que também fala da longanimidade de Deus. Vejamos qual:

    • Rm 9.22: “Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição”.

Bem. Não consigo imaginar qual seria exatamente o argumento dos arminianos. Se eles apelarem para o fato de que Deus suporta com muita longanimidade “os vasos de ira”, ou seja, os incrédulos, então eles também terão que admitir que os tais foram “preparados para a perdição” (réprobos), enquanto que outros foram preparados para a glória (os eleitos – Rm 9.23). Sinceramente, se eu fosse arminiano, jamais apelaria para um texto desses. A não ser que eu estivesse disposto a admitir que realmente “o Senhor fez todas as coisas para determinados fins e até o perverso, para o dia da calamindade” (Pv 16.4). Mas isso seria demais para quem não aceita a absoluta e irrestrita Soberania de Deus. Tudo isso mostra que não há escapatória para quem deseja contestar a Verdade. Ela “encurrala”, mesmo.

[Conclusão]

Diante de tudo o que vimos, não me resta outra alternativa, senão a de concluir “doxologicamente” (valeu por esse insight, Roberto Vargas!):

“Obrigado, Senhor, pela tua imensa paciência dispensada a nós, pobres e miseráveis pecadores. Sem ela não nos restaria tempo para nos arrependermos de ter ofendido o teu Santo Nome. Dessa forma, podemos dizer, com absoluta certeza, que fomos salvos pela Tua longanimidade. Aleluia”!

Soli Deo Gloria!

Publicado originalmente no blog 5 Calvinistas.


[1] The Free Offer of the Gospel, Murray and Stonehouse ,no city, no publisher, no date, 26, 27. Citado no site Monergismo (clique aqui).

[2] Verbete “vontade”, do Novo Dicionário Internacional de Teologia do NT (Ed. Vida Nova, pág. 2677).

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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Sons da graça comum[1]: Muse, de Erik Mongrain

Sou meio suspeito para falar de música. Principalmente, quando o assunto é violão. E ainda mais quando se trata de música instrumental. Preciso dizer algo mais quanto ao porquê de postagens como esta que ora começo.

Não me importa quem toca, se o cara é ímpio ou se ele é crente. Se a música é boa, entendo isso como uma manifestação da graça comum de Deus derramada a todos os homens indistintamente. Particularmente, sou um grande admirador da boa música como expressão de arte. E penso que isso, de certa forma, externa um pouco da Imago Dei que o homem carrega. Por este motivo é que eu apresento aos leitores do Optica Reformata alguns “Sons da graça comun”. Minha ideia é apresentar apenas música instrumental.

Sem mais delongas, gostaria de apresentar a música Muse, de um dos meus violonistas preferidos da atualidade, o canadense Erik Mongrain. Quem não gosta de violão, creio que passará a gostar. E quem pensa que toca (como é o meu caso), repensará se o faz de fato. Apreciemos, pois, essa verdadeira pérola do violão instrumental contemporâneo.

Espero que tenham curtido.

Soli Deo Gloria!

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quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Sobre os supostos textos “arminianos” da Bíblia[1] – Análise de 2 Pedro 2.1

“Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras, até ao ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição” (Almeida Revista e Atualizada – ARA).

O primeiro texto supostamente “arminiano” que escolhi para início de conversa é o de 2 Pedro 2.1. O que faz este texto “parecer” arminiano é o uso que Pedro faz da palavra “resgatou” durante a sua descrição dos falsos profetas. Não é ilusão de ótica, meus caros. Realmente a Palavra está dizendo que pessoas renegaram a Deus após terem sido por Ele resgatadas. Será que este versículo compromete, de fato, a doutrina da perseverança dos santos, como querem os arminianos? Pedro não poderia ter escolhido uma palavra menos “comprometedora”? Por que ele fez isso? Nosso objetivo, aqui, é tentar responder a essas questões.

[Estudo da palavra “resgatou”]

A palavra que Pedro usou para “resgatou” é a palavra grega agorasanta (lit. “que comprou”), uma variação do verbo agorazō, que significa, literalmente, “comprar”. Esse verbo, bem como suas variantes, ocorre trinta vezes em todo o Novo Testamento, mas apenas em cinco dos casos ele se refere à “compra” de cristãos (vd. 1Co 6.20, 7.23; Ap 5.9, 14.3,4). No restante das ocorrências ele assume seu sentido comercial usual (e.g. Mt 13.44; Mc 6.36; Lc 14.18; Jo 4.8; 1Co 7.30; Ap 13.17). Alguém poderia objetar dizendo que a ocorrência no texto petrino que estamos considerando também se refere à “compra” de cristãos, o que aumentaria para seis o número de ocorrências da referida palavra com este sentido redentivo. Minha resposta a tal objeção é que Pedro, diferente dos outros autores das passagens citadas, não está se referindo ao rebanho que foi comprado pelo sangue de Jesus, a Igreja. Senão, vejamos:

    • 1Co 6.20: “Porque fostes comprados por preço. Agora, pois, glorificai a Deus no vosso corpo’’;
    • 1Co 7.23: “Por preço fostes comprados; não vos torneis escravos de homens”;
    • Ap 5.9: “e entoavam novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhe os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação”;
    • Ap 14.3,4: “3 Entoavam novo cântico diante do trono, diante dos quatro seres viventes e dos anciãos. E ninguém pôde aprender o cântico, senão os cento e quarenta e quatro mil que foram comprados da terra. 4 São estes os que não se macularam com mulheres, porque são castos. São eles os seguidores do Cordeiro por onde quer que vá. São os que foram redimidos [egorasthesan] dentre os homens, primícias para Deus e para o Cordeiro”.

No caso dos textos em 1 Coríntios, o que Paulo tem em vista é a nova situação dos crentes como escravos de Deus, já que foram comprados por alto preço por Ele. O argumento paulino (vd. contexto) é que os cristãos tem que viver à altura do nome que agora carregam. Já em Apocalipse, o que João tem em vista é a “compra” dos salvos, e tão somente destes, pelo sangue do Cordeiro (5.9). João ainda diz que somente os que foram “comprados da terra” é que podem entoar o novo cântico diante do trono (os 144 mil representam a totalidade dos eleitos). E ele finaliza dizendo que apenas “os que foram redimidos dentre os homens” é que foram capazes de manter sua fidelidade espiritual ao Deus que lhes comprou.

Definitivamente, parece não ter sido esta a sorte dos falsos mestres a quem Pedro se refere. Eles não viviam à altura do nome que arrogavam para si, visto que eram extremamente libertinos, avarentos, mentirosos, atrevidos, arrogantes, adúlteros e jactanciosos (vd. 2.2, 3, 10, 14 e 18). Sendo assim, eles jamais poderão cantar o “novo cântico” diante do trono (Ap 14.3), uma vez que não foram capazes de manter sua fidelidade doutrinária, espiritual e moral. Isso nos mostra que a incapacidade para tal deveu-se ao fato de os tais não estarem dentre aqueles homens que foram redimidos, a saber, os verdadeiros seguidores do Cordeiro (Ap 14.4). ABRE PARÊNTESE. Sei que os arminianos, aqui, vão discordar da Expiação Limitada. Nesse caso, paciência. FECHA PARÊNTESE. Sendo assim, então por que será que Pedro usou a palavra “resgatou”?

Bem. Mesmo com a correlação do texto petrino com os supracitados, esta pergunta ainda continua difícil de ser respondida. Porém, se atentarmos para o fato de que Pedro está fazendo um paralelo dos falsos mestres do NT com os falsos profetas do AT (ver Dt 13. Cf. 1Rs 22; Jr 23; Ez 13; Zc 13.4), poderemos extrair o sentido que ele quis emprestar à palavra em questão. É somente dessa forma que poderemos justificar o uso que ele faz do referido termo.

Jesus comparou o reino dos céus a uma rede que, “lançada no mar, recolhe peixes de toda espécie” (Mt 13.47). Essa verdade pode muito bem ser aplicada ao povo de Israel. Pensemos na saída do povo do Egito nesses termos, por um momento (ou seria “forçar demais” o texto?). Quando por ocasião do êxodo do Egito a “rede” foi lançada, não devemos pensar que apenas “peixes bons” foram fisgados, e sim que também havia “peixes ruins” no meio. Ou seja, nem todo mundo que saiu de lá era crente de fato! A própria história nos mostra que, não obstante o fato de serem hebreus, nem todos faziam parte, de fato, do povo da Aliança. É Paulo mesmo quem fala que “nem todos os de Israel são, de fato, israelitas” (Rm 9.6). Do Egito saíram homens corajosos como Josué e Calebe, mas também ímpios revoltosos como Corá, que foi tragado vivo, com todos os seus, pela terra que Deus fez abrir debaixo dos seus pés (Nm 16). Quando o povo foi murmurar contra Moisés e Arão dizendo que estes haviam matado o “povo do Senhor” (Nm 16.41), o próprio Deus se encarregou de exterminar, mediante terrível praga, o restante da massa incrédula, totalizando “catorze mil e setecentos, fora os que morreram por causa de Corá” (Nm 14.49). Ora, Corá e os rebeldes foram “resgatados” do Egito também, mas eles eram “povo de Deus”?

Penso que aqui criamos uma ponte para a nossa compreensão do motivo pelo qual Pedro resolveu usar a palavra “resgatou”. Pedro não está falando de um resgate efetivo, e sim, de um resgate potencial. Ou seja, não é a “graça especial” (aquela que é derramada apenas sobre os eleitos) que ele tem em mente, e sim, a “graça comum” (aquela que Deus derrama sobre toda a humanidade)[1]. Para esclarecer melhor este ponto, voltemos por um instante à parábola de Jesus em Mateus 13.47-50. Como é que Jesus a conclui? Ele diz que os pescadores, ao chegarem à praia, assentam-se para escolher os peixes bons para o cesto, ao passo que os ruins são deitados fora. “Assim será na consumação do século: sairão os anjos, e separarão os maus dos justos, e os lançarão na fornalha acesa; ali haverá choro e ranger de dentes” (vs. 49,50). Isto significa que os incrédulos (os “peixes ruins”) poderão “pegar carona” no barco somente até à hora em que ele ainda está navegando. Mas ai deles quando o barco chegar à praia e os pescadores começarem a ver quem é quem!

[Mais dois argumentos]

Embora eu acredite que a parábola e o restante da explanação por si só já tenham sido suficientes para lançar luz sobre a questão em geral, particularmente sobre o uso que Pedro fez da palavra “resgatou”, gostaria de usar apenas mais dois fatos para reforçar minha argumentação.

1) A certeza que Pedro tem quanto ao juízo que Deus derramará sobre os falsos mestres indica que eles jamais estiveram nos planos salvíficos de Deus. Pedro diz que a condenação dos falsos mestres não é uma “ideia recente” na mente de Deus, e sim que “para eles o juízo lavrado há longo tempo não tarda, e sua destruição não dorme” (2.3). Pedro, na realidade, já havia declarado algo semelhante na sua primeira carta, ao dizer que os construtores da auto-justificação vieram à existência justamente para tropeçarem na “Pedra de tropeço”, que é Cristo (1Pe 2.8). ABRE PARÊNTESE. É por essas e outras que sou supralapsariano. FECHA PARÊNTESE. Pedro, então, usa alguns exemplos da história do Antigo Testamento para reiterar ainda mais o seu parecer sobre o destino desses ímpios. Ele faz citações da queda dos anjos (v. 4); do dilúvio (v. 5); e da destruição de Sodoma e Gomorra(v. 8). E aqui temos algo revelador. Se o salvo pode mesmo perder a salvação, como os arminianos afirmam, então o versículo 9 não deveria estar nesse contexto, pois ele diz que “o Senhor sabe livrar da provação os piedosos e reservar, sob castigo, os injustos para o Dia do Juízo”. O exemplo que Pedro usa para realçar tal verdade é o livramento que o Senhor deu ao justo Ló (v. 7,8). Posteriormente Pedro ainda fará uma referência a Balaão, o profeta que se extraviou do reto caminho, amando o “prêmio da injustiça” (v. 15,16). Para pessoas desse tipo, o apóstolo diz que o que Deus reserva é apenas juízo e trevas medonhas (cf. v. 4, 9 e 17).

2) Alguns adjetivos que Pedro usa indicam que esses tais que se diziam cristãos, na realidade, nunca o foram. Se os leitores observarem todo o contexto da passagem, logo perceberão que Pedro não fica fazendo rodeios nem se utiliza de eufemismos para dar aos hereges a classificação que lhes cabe. Sem melindres diplomáticos, Pedro os tacha diretamente de “falsos”. Ele não diz, por exemplo, que os tais eram “falsos profetas que foram verdadeiros um dia”. Essa verdade ganha realce empolgante no final do versículo 22, onde Pedro compara os falsos crentes com porcos: “com eles aconteceu o que diz certo adágio verdadeiro [...]: a porca voltou a revolver-se no lamaçal”. Mais uma vez, Pedro não diz, nem ao menos sugere, que eles já foram ovelhas um dia, mas que, agora, sofreram uma “mutação” e se transformaram em porcos. Não. Pedro, seguindo o seu raciocínio anterior de que tais pessoas são “como animais irracionais, que seguem a natureza” (v. 12), arremata falando que o porco, por alguns instantes de aparente bem-estar higiênico, voltou ao seu habitat natural - a lama! É justamente essa verdade que o apóstolo João endossa quando diz que os falsos mestres “saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos" (1 Jo 2.19).

[Conclusão]

Infelizmente, no momento não tenho como me antecipar a absolutamente todas as objeções que os arminianos porventura venham a levantar ao que foi acima explanado. Isso tornaria a exegese forçada e o trabalho cansativo. É por este motivo que o melhor a fazer é esperar até à próxima postagem da série. Até lá!

Soli Deo Gloria!

Leonardo Galdino.

Publicado originalmente no blog 5 Calvinistas.


[1] Aqui Pedro não está se referindo à “compra” realizada por Jesus na cruz, visto que o termo no original grego que ele utiliza para “Soberano Senhor” é a palavra despotes. Sugere-se que, aqui, ele esteja se referindo a Deus o Pai, uma vez que quando ele quer se referir ao senhorio de Jesus a palavra que ele geralmente usa é kyrios (cf. v. 20). Isso não significa que o “resgate” do Pai é menos efetivo do que o do Filho, e sim que o que Pedro tem em vista ao fazer uso da palavra “resgatou” é a graça comum de Deus sobre os homens.

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domingo, 15 de novembro de 2009

Sobre os supostos textos "arminianos" da Bíblia [0] - Questões Introdutórias

Antes de adentrar nas “questões introdutórias” propriamente ditas, gostaria de esclarecer algumas coisas sobre os motivos que me levaram (na realidade, que estão me levando) a escrever essa série. Tenho visto que nos últimos anos a internet, especialmente a blogosfera, tem se tornado o espaço preferido para as mais efusivas discussões (talvez porque dispense o “constrangimento” de uma acareação). “A arena está montada e só se digladia quem tem pulso!” – é mais ou menos este o discurso que paira implícito (e explícito, por vezes) em alguns ciberespaços. No entanto, percebo que pouco do que se diz tem sido realmente proveitoso ou produtivo. Na maioria das vezes esse pretenso “pulso” não tem se mostrado como firmeza na Verdade por Deus revelada, e sim, como firmeza no próprio “pulso” carnal – nas especulações vãs e irracionais da mente humana decaída, de modo que o foco na edificação mútua e no compartilhamento da “fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos” (Jd 3) tem sido paulatinamente perdido. Contudo, isso não quer dizer que um “caloroso” debate seja ruim, e vou tentar explicar o porquê.

[Adentrando nas “questões introdutórias” – uma defesa da relevância da discussão]

Algum tempo atrás me envolvi num debate sobre a doutrina da perseverança dos santos, no blog de um famoso e influente pastor pentecostal (preciso citar quem foi?), que respondia com um “sim” à seguinte pergunta: “É possível perder a salvação, se ela nos foi concedida pela graça de Deus”? Na oportunidade, fiz alguns comentários (uns publicados, outros não, sei lá por que) pertinentes ao assunto, no intuito de apresentar as razões bíblicas pelas quais o parecer do referido pastor era inconsistente. O pastor em questão também apresentou mais alguns textos bíblicos para dar suporte ao seu ponto de vista, e o resultado foi que a discussão ficou “inacabada”, pois resolvi sair dela, o que foi interpretado por alguns seguidores do blogueiro anfitrião como um “pedido de arrego” de minha parte. Recentemente meus amigos blogueiros Clóvis e Helder Nozima (do Cinco Solas e do Reforma e Carisma, respectivamente) se envolveram num debate intenso com o Prof. Leandro Quadros, do programa de televisão e site adventista Na Mira da Verdade. Na ocasião, o pivô da discussão foi a doutrina da predestinação, na qual o referido professor mirou, mas errou (acho que por problemas de vista), embora tenha apresentado uma “enorme” lista de 48 textos (na realidade foram 56) que, segundo ele, “mostram ser possível o predestinado se perder”, o que “leva qualquer leitor a concluir que o calvinismo carece – e MUITO – de base bíblica”.

Diante de exemplos como os supracitados, paira no ar a seguinte pergunta: já que cada um usa a Bíblia para apoiar seu próprio ponto de vista, e como muitas das vezes o uso que elas fazem do texto sagrado parece ser coerente, quando é, então, que uma discussão sobre certos assuntos é relevante? Não seria essa uma “guerrinha de egos” somente para definir quem está com a razão?

Devo admitir que, de fato, na maioria dos casos as discussões tem se transformado mesmo em disputas puramente egocêntricas, onde a humildade é esquecida em prol do afã de se ganhar a disputa (inclusive este que vos escreve já agiu assim, por algumas vezes). Nesse caso, o debate, ainda que seja sobre um tema de extrema relevância, tornar-se-á não apenas inútil, mas, também, nocivo. Porém, creio que há uma “possibilidade de redenção” para a necessidade de se debater. Eu diria que isso se dá apenas quando ambas as partes se dispõem a se submeterem à Verdade. E aqui é bom que se diga que a Verdade é uma só. ABRE PARÊNTESE. Sei que essa minha declaração pode soar deveras soberba e exclusivista (além de “suspeita”), mas, sinceramente, não estou nem um pouco preocupado com isso, contanto que minhas assertivas estejam respaldadas pela Verdade contida na Palavra. FECHA PARÊNTESE.

[Chegando mais perto…]

Muitos são os textos que os arminianos (ainda que alguns deles não gostem de ser chamados assim, pois preferem ser chamados de “bíblicos”, ou “equilibrados”) usam para tentar legitimar suas doutrinas e pareceres sobre certos assuntos em que divergem da teologia reformada. Essa divergência geralmente dá-se em virtude da soteriologia calvinista, resumida em cinco pontos pelos seus próprios oponentes arminianos (para um breve resumo histórico, clique aqui). O famoso acróstico TULIP os resume: Total depravação, Uma eleição incondicional (Predestinação), Limitada expiação, Irresistível graça e Perseverança dos santos. Ainda que nós, reformados, saibamos perfeitamente que o calvinismo é muito mais do que soteriologia, devemos admitir que a doutrina da salvação é realmente o ponto nevrálgico dessa disputa.

Quanto a este último particular, há quem diga que uma leitura ipso facto da Bíblia favorece mesmo a algumas das interpretações que os arminianos advogam como verdadeiras. Talvez seja esse um dos principais motivos pelos quais o arminianismo seja mais palatável à maioria dos cristãos de hoje. Ora, se Paulo mesmo fala que Deus “deseja que todos os homens cheguem ao pleno conhecimento da verdade” (1Tm 2.4), e que Jesus “a si mesmo se deu em resgate por todos” (1Tm 2.6), os arminianos não estão porventura corretos quando afirmam que a morte de Jesus foi para salvar a toda a humanidade, e não apenas aos eleitos? Não é de fato esta a primeira impressão que se tem quando se depara com um texto tão “claro” como esse?

Bem, a discussão relativa ao referido texto propriamente dito, bem como tudo o que envolve sua exegese, ficará para as próximas postagens (que não será necessariamente a próxima). Nesse momento basta dizer apenas que o grande problema da visão arminiana é, primariamente, um problema de referência. Sem medo de parecer arrogante ou coisa que o valha, afirmo, sem meias palavras, que o sistema arminiano (ou qualquer outro que procure limitar Deus em Seus atributos) é puramente humanista em seu âmago, visto que o homem, e não Deus, é sempre tomado com o ponto de partida nas discussões. E, ainda que vários textos da Bíblia sejam usados para apoiar seus argumentos, os mesmos mostrar-se-ão completamente falsos se o referencial certo (ou seja, o próprio Deus) não for devidamente considerado. Este ponto é de crucial importância para qualquer tipo de abordagem que se queira fazer envolvendo as verdades eternas.

[Um testemunho]

A esta altura considero ser oportuno comentar algo. Penso que boa parte dos reformados, na qual me incluo, já se sentiu profundamente inquieta diante de textos como os supracitados quando iniciaram sua jornada pelas Antigas Doutrinas da Graça (das quais o calvinismo é apenas um “apelido”, digamos). Como nem sempre assimilamos tudo de uma vez só, creio que muitos de nós já questionamos até mesmo a validade da perspectiva que resolvemos abraçar. Eu, particularmente, não abracei todos os cinco pontos logo de imediato, mas a posteriori (a “conta-gotas”, digamos). Resisti por um tempo à doutrina da predestinação, que é tida (erroneamente) como o coração do calvinismo. Mas depois de muito meditar na Palavra percebi que, se Deus não predestinasse, ninguém poderia ser chamado eficazmente pelo Espírito, nem justificado dos seus pecados, o que significa que ninguém jamais seria glorificado naquele glorioso Dia (cf. o silogismo paulino em Rm 8.30). Mas não foi o medo de ser tachado como um “calvinista manco” (de quatro pés, ou melhor, pontos) ou coisa do tipo que me fez acatar a doutrina da predestinação. Eu o fiz simplesmente por perceber uma unidade intrínseca entre cada ponto, bem como a interdependência deles entre si. E foi pensando nessas questões que me decidi a escrever sobre o que fazer com aqueles textos supostamente “arminianos” da Bíblia.

[Considerações finais]

Em princípio, meu objetivo é analisar apenas os textos que os arminianos usam como “provas irrefutáveis da falácia calvinista”, mas não prometo que será sempre assim. Paralelo aos textos que os arminianos pervertem, pode ser que eu coloque outros textos, apelando para o princípio hermenêutico de que a Bíblia se auto-interpreta. Na medida do possível também pretendo expor algumas das falácias hermenêuticas e exegéticas mais comuns em nosso meio (acadêmico, clerical ou leigo), mas somente o farei quando for pertinente. Espero em Deus que essa série possa se tornar útil para todos aqueles que, como eu, desejam “manejar bem” a Palavra da Verdade (2Tm 2.15), e que, nisso tudo, somente Deus seja glorificado.

Soli Deo Gloria!

Leonardo Galdino.

Publicado originalmente no blog 5 Calvinistas.

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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Cristo: Ponto de convergência, ponto de divergência

Convergência: ato ou efeito de convergir; disposição de dois ou mais elementos lineares que se dirigem para ou se encontram no mesmo ponto; tendência para aproximação ou união em torno de um assunto ou de um fim comum; confluência, concorrência.

Divergência: afastamento progressivo; diferença de opinião; desentendimento, discordância; qualidade daquilo que diverge, que tem limites infinitos.

Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.


Para muitas pessoas ao redor do mundo Jesus foi uma figura extremamente controversa. Muitos o enxergam como um revolucionário, ao passo que outros, como um pacifista, um apaziguador. Para uns, aquele que agrega; para outros, aquele que segrega. Mas o fato é que as Escrituras o apresentam das duas formas, tanto como um ponto de convergência quanto como um ponto de divergência. Jesus, real e finalmente, trouxe a lume o que o pregador de Eclesiastes quis dizer com “tempo de derribar e tempo de edificar; tempo de rasgar e tempo de coser” (Ec 3. 3,7). Esse é um dos paradoxos mais notáveis da fé cristã.

De fato, a Bíblia nos apresenta Jesus como sendo o ponto de convergência da fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos (cf. Jd 3). Essa fé reúne todos os eleitos, e apenas estes, em um único rebanho, sob a regência de um único Pastor (cf. Jo 10). Em torno do Cristo Ressurreto, o povo redimido se reúne para uma adoração solene, onde tudo é mono. O louvor é uníssono. A fé ensinada, entoada e proclamada é uma só. E o Objeto dessa mesma fé e de todo o nosso louvor também é um só. Como bem diz um famoso hino cristão, “um só rebanho, um só Pastor; uma só fé em um só Salvador”. Essa reunião em torno do Supremo Pastor só foi (e continua sendo) possível graças à promessa que o Deus dos Antigos, “que não pode mentir” (Tt 1.2), fez a Abraão: “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Essa promessa apontava claramente para uma grande convergência de povos das mais variadas culturas, que se reuniriam em torno dAquele que foi “designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.4). O próprio Evangelho, “o qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras” (Rm 1.2), teve seu cumprimento cabal na pessoa e obra de Jesus, o centro convergente de toda a Escritura vetero e neotestamentária (Rm 1.3. cf. Hb 1.1-2). Isso significa que o centro Bíblia não é aquela “folhinha branca” entre Malaquias e Mateus, muito menos a fé de Abraão ou a mansidão de Moisés, menos ainda Zaqueu ou Lázaro (para bom entendedor…) – o centro das Escrituras é o Descendente de Davi, Jesus, o Cristo (Rm 1.3)! Ele, sim, foi quem comprou para Deus “os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9) com seu precioso sangue vertido na cruz do calvário, fazendo com que a salvação se estendesse para fora dos portões de Israel, a todos aqueles que creem. Como bem diz outro hino cristão famoso, “de todas as tribos, povos e raças, muitos virão Te louvar”. Além desse tipo de convergência “soteriológica”, digamos, segundo o apóstolo Paulo haverá também uma espécie de “convergência cósmica”, onde “todas as coisas, tanto as do céu como as da terra” encontrar-se-ão em Cristo “na dispensação da plenitude dos tempos” (Ef 1.10). Calvino entende essa passagem como sendo a restauração escatológica de todas as coisas em Cristo (cf. Rm 8.18-22), uma vez que a Queda simplesmente “despedaçou” a humanidade decaída juntamente com toda a criação. Ainda segundo o reformador, é somente em Cristo que encontramos conserto para os cacos. Tanto em relação à humanidade quanto ao restante da criação, Cristo se apresenta como o elemento convergente. De fato, é como se ele fosse uma espécie de redemoinho, que traz para dentro de si tudo o que estiver em sua órbita.

Mas não nos enganemos quanto a essa “órbita”, pois nela não se encontra o mundo inteiro (Universalismo, Expiação Geral), e sim, apenas o povo escolhido de Deus (cf. Mt 1.21). Não nos enganemos também pensando que Cristo é sempre esse redemoinho convergente que traz tudo o que está em sua órbita para dentro de si mesmo. Ele também é um vulcão, que repele e destroi todo elemento desconhecido que o circula. Essa realidade pode se tornar dura demais para quem pensa que Jesus é apenas um “ponto de convergência”, um “carinha legal”, mas o seu próprio ministério mostra como ele divergia duramente dos inimigos da cruz. Isso acontecia porque a Bíblia apresenta-nos alguém que seria uma grande “pedra de tropeço” em Sião (Is 28.16), e tanto Paulo (em Rm 9.32,33) quanto Pedro (em 1Pe 2.4-8) identificam essa pedra justamente com Cristo. Para Paulo, Jesus é a “pedra de tropeço” (ponto de divergência) para todo aquele que pensa que poderá ser salvo pelas obras, quer seja judeu, quer seja gentio. O apóstolo argumenta no contexto da aludida passagem que a fé salvífica pertence somente àqueles que foram eleitos. Decerto, os judeus se consideravam o povo da Aliança e, por conseguinte, herdeiros automáticos da salvação. Mas Paulo derruba essa empáfia dizendo que “nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos” (Rm 9.6,7). Para o apóstolo somente “os filhos da promessa” é quem são os verdadeiros herdeiros (Rm 9.8). Os judeus incrédulos pensavam que estavam caminhando bem, até se depararem com a Pedra que estava no meio dos seus caminhos. Seguindo o mesmo raciocínio, mas com uma ênfase diferente, Pedro argumenta que nossos sacrifícios são agradáveis a Deus única e exclusivamente por intermédio de Cristo, “a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa” (1Pe 2.4,5). Alinhando seu pensamento ao de Paulo, Pedro ainda diz que Cristo é a “pedra angular” que os construtores da auto-justificação rejeitaram e na qual tropeçaram, de acordo com o fim para o qual vieram a este mundo (1Pe 2.7,8). Esse tropeço deliberado simplesmente fere aquilo que é considerado o coração do evangelho, a doutrina da justificação pela fé somente, que, segundo Lutero, é o “artigo de fé mediante o qual a Igreja permanece de pé ou cai”. Certamente, todo aquele que tropeça nessa verdade, pensando que poderá se auto-justificar diante de Deus mediante obras, cairá terrível e irremediavelmente no Juízo Final.

O brado de Solus Christus dos reformadores não foi sem propósito. Ele indica que somente Cristo é digno de louvor; que somente Cristo é o Mediador; que somente Cristo é o Salvador; que somente Cristo é o cerne da História da Redenção; e que, por isso, somente Cristo é a chave hermenêutica para se compreender as Escrituras. A Igreja Romana viola essa verdade ao apresentar outros “centros” (pontos de convergência) contíguos a Cristo. As grandes religiões do mundo erram por não reconhecerem que há um só Deus e Senhor de tudo e de todos. Os falsos evangelhos espalhados por aí também traem as Escrituras quando apresentam outras prioridades (prosperidades) que não seja Cristo. Todas as outras doutrinas e filosofias humanas andam bem, até encontrarem Cristo, a “pedra de tropeço”, pelo caminho. Qualquer tentativa de deslocar a Cristo do centro que só a Ele pertence constitiu-se em total divergência da Verdade. Como disse Calvino, “desviar-se de Cristo, ainda que seja apenas por um passo, significa privar-se alguém do evangelho”. Para quem é alvo da convergência de Cristo, ou seja, quem está na sua órbita de salvação (os eleitos), novos céus e nova terra o espera. Mas para quem é alvo da sua divergência (os “intrusos” na órbita – o joio), apenas parafraseio o puritano Richard Sibbes: “de que adiantaria você ter todas as criaturas a seu favor se o próprio Cristo* é o seu divergente**”?

Soli Deo Gloria!
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*No original, “Deus”; ** “inimigo”.
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