quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Cristo: Ponto de convergência, ponto de divergência

Convergência: ato ou efeito de convergir; disposição de dois ou mais elementos lineares que se dirigem para ou se encontram no mesmo ponto; tendência para aproximação ou união em torno de um assunto ou de um fim comum; confluência, concorrência.

Divergência: afastamento progressivo; diferença de opinião; desentendimento, discordância; qualidade daquilo que diverge, que tem limites infinitos.

Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa.


Para muitas pessoas ao redor do mundo Jesus foi uma figura extremamente controversa. Muitos o enxergam como um revolucionário, ao passo que outros, como um pacifista, um apaziguador. Para uns, aquele que agrega; para outros, aquele que segrega. Mas o fato é que as Escrituras o apresentam das duas formas, tanto como um ponto de convergência quanto como um ponto de divergência. Jesus, real e finalmente, trouxe a lume o que o pregador de Eclesiastes quis dizer com “tempo de derribar e tempo de edificar; tempo de rasgar e tempo de coser” (Ec 3. 3,7). Esse é um dos paradoxos mais notáveis da fé cristã.

De fato, a Bíblia nos apresenta Jesus como sendo o ponto de convergência da fé que de uma vez por todas foi entregue aos santos (cf. Jd 3). Essa fé reúne todos os eleitos, e apenas estes, em um único rebanho, sob a regência de um único Pastor (cf. Jo 10). Em torno do Cristo Ressurreto, o povo redimido se reúne para uma adoração solene, onde tudo é mono. O louvor é uníssono. A fé ensinada, entoada e proclamada é uma só. E o Objeto dessa mesma fé e de todo o nosso louvor também é um só. Como bem diz um famoso hino cristão, “um só rebanho, um só Pastor; uma só fé em um só Salvador”. Essa reunião em torno do Supremo Pastor só foi (e continua sendo) possível graças à promessa que o Deus dos Antigos, “que não pode mentir” (Tt 1.2), fez a Abraão: “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Essa promessa apontava claramente para uma grande convergência de povos das mais variadas culturas, que se reuniriam em torno dAquele que foi “designado Filho de Deus com poder, segundo o espírito de santidade pela ressurreição dos mortos, a saber, Jesus Cristo, nosso Senhor” (Rm 1.4). O próprio Evangelho, “o qual foi por Deus, outrora, prometido por intermédio dos seus profetas nas Sagradas Escrituras” (Rm 1.2), teve seu cumprimento cabal na pessoa e obra de Jesus, o centro convergente de toda a Escritura vetero e neotestamentária (Rm 1.3. cf. Hb 1.1-2). Isso significa que o centro Bíblia não é aquela “folhinha branca” entre Malaquias e Mateus, muito menos a fé de Abraão ou a mansidão de Moisés, menos ainda Zaqueu ou Lázaro (para bom entendedor…) – o centro das Escrituras é o Descendente de Davi, Jesus, o Cristo (Rm 1.3)! Ele, sim, foi quem comprou para Deus “os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5.9) com seu precioso sangue vertido na cruz do calvário, fazendo com que a salvação se estendesse para fora dos portões de Israel, a todos aqueles que creem. Como bem diz outro hino cristão famoso, “de todas as tribos, povos e raças, muitos virão Te louvar”. Além desse tipo de convergência “soteriológica”, digamos, segundo o apóstolo Paulo haverá também uma espécie de “convergência cósmica”, onde “todas as coisas, tanto as do céu como as da terra” encontrar-se-ão em Cristo “na dispensação da plenitude dos tempos” (Ef 1.10). Calvino entende essa passagem como sendo a restauração escatológica de todas as coisas em Cristo (cf. Rm 8.18-22), uma vez que a Queda simplesmente “despedaçou” a humanidade decaída juntamente com toda a criação. Ainda segundo o reformador, é somente em Cristo que encontramos conserto para os cacos. Tanto em relação à humanidade quanto ao restante da criação, Cristo se apresenta como o elemento convergente. De fato, é como se ele fosse uma espécie de redemoinho, que traz para dentro de si tudo o que estiver em sua órbita.

Mas não nos enganemos quanto a essa “órbita”, pois nela não se encontra o mundo inteiro (Universalismo, Expiação Geral), e sim, apenas o povo escolhido de Deus (cf. Mt 1.21). Não nos enganemos também pensando que Cristo é sempre esse redemoinho convergente que traz tudo o que está em sua órbita para dentro de si mesmo. Ele também é um vulcão, que repele e destroi todo elemento desconhecido que o circula. Essa realidade pode se tornar dura demais para quem pensa que Jesus é apenas um “ponto de convergência”, um “carinha legal”, mas o seu próprio ministério mostra como ele divergia duramente dos inimigos da cruz. Isso acontecia porque a Bíblia apresenta-nos alguém que seria uma grande “pedra de tropeço” em Sião (Is 28.16), e tanto Paulo (em Rm 9.32,33) quanto Pedro (em 1Pe 2.4-8) identificam essa pedra justamente com Cristo. Para Paulo, Jesus é a “pedra de tropeço” (ponto de divergência) para todo aquele que pensa que poderá ser salvo pelas obras, quer seja judeu, quer seja gentio. O apóstolo argumenta no contexto da aludida passagem que a fé salvífica pertence somente àqueles que foram eleitos. Decerto, os judeus se consideravam o povo da Aliança e, por conseguinte, herdeiros automáticos da salvação. Mas Paulo derruba essa empáfia dizendo que “nem todos os de Israel são, de fato, israelitas; nem por serem descendentes de Abraão são todos seus filhos” (Rm 9.6,7). Para o apóstolo somente “os filhos da promessa” é quem são os verdadeiros herdeiros (Rm 9.8). Os judeus incrédulos pensavam que estavam caminhando bem, até se depararem com a Pedra que estava no meio dos seus caminhos. Seguindo o mesmo raciocínio, mas com uma ênfase diferente, Pedro argumenta que nossos sacrifícios são agradáveis a Deus única e exclusivamente por intermédio de Cristo, “a pedra que vive, rejeitada, sim, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa” (1Pe 2.4,5). Alinhando seu pensamento ao de Paulo, Pedro ainda diz que Cristo é a “pedra angular” que os construtores da auto-justificação rejeitaram e na qual tropeçaram, de acordo com o fim para o qual vieram a este mundo (1Pe 2.7,8). Esse tropeço deliberado simplesmente fere aquilo que é considerado o coração do evangelho, a doutrina da justificação pela fé somente, que, segundo Lutero, é o “artigo de fé mediante o qual a Igreja permanece de pé ou cai”. Certamente, todo aquele que tropeça nessa verdade, pensando que poderá se auto-justificar diante de Deus mediante obras, cairá terrível e irremediavelmente no Juízo Final.

O brado de Solus Christus dos reformadores não foi sem propósito. Ele indica que somente Cristo é digno de louvor; que somente Cristo é o Mediador; que somente Cristo é o Salvador; que somente Cristo é o cerne da História da Redenção; e que, por isso, somente Cristo é a chave hermenêutica para se compreender as Escrituras. A Igreja Romana viola essa verdade ao apresentar outros “centros” (pontos de convergência) contíguos a Cristo. As grandes religiões do mundo erram por não reconhecerem que há um só Deus e Senhor de tudo e de todos. Os falsos evangelhos espalhados por aí também traem as Escrituras quando apresentam outras prioridades (prosperidades) que não seja Cristo. Todas as outras doutrinas e filosofias humanas andam bem, até encontrarem Cristo, a “pedra de tropeço”, pelo caminho. Qualquer tentativa de deslocar a Cristo do centro que só a Ele pertence constitiu-se em total divergência da Verdade. Como disse Calvino, “desviar-se de Cristo, ainda que seja apenas por um passo, significa privar-se alguém do evangelho”. Para quem é alvo da convergência de Cristo, ou seja, quem está na sua órbita de salvação (os eleitos), novos céus e nova terra o espera. Mas para quem é alvo da sua divergência (os “intrusos” na órbita – o joio), apenas parafraseio o puritano Richard Sibbes: “de que adiantaria você ter todas as criaturas a seu favor se o próprio Cristo* é o seu divergente**”?

Soli Deo Gloria!
________________________________________________

*No original, “Deus”; ** “inimigo”.
Share |

2 comentários:

Danilo Neves disse...

"Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar." Gn 3.15

"Naquele mesmo dia, fez o SENHOR aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates" G 15.18

"Ora, as promessas foram feitas a Abraão e ao seu descendente. Não diz: E aos descendentes, como se falando de muitos, porém como de um só: E ao teu descendente, que é Cristo." Gl 3.16

O N.T. identifica precisamente quem é o descendente: Cristo. A Ele foram feitas as promessas. Israel somente veio a existência para que dele saísse o Redentor: Jesus (Mt 1.1-16). Nele, de fato, fez Deus convergir todas as coisas (Ef 1.10 // Cl 1.13-22; 2.10-15). E nisso está a glória de Deus.

Um abç, irmão.

Leonardo Bruno Galdino disse...

Danilo,

Obrigado por seus comentários sempre enriquecedores. De fato, nada havia em Israel que merecesse sua escolha como povo eleito. Tanto é que os herdeiros da promessa não são o "Israel segundo a carne", e sim, o "Israel segundo o Espírito".

Abraços!

Postar um comentário

Muito obrigado por comentar as postagens. Suas opiniões, observações e críticas em muito nos ajuda a buscar a qualidade teológica naquilo que escrevemos. Se for de opinião contrária, não ofenda - exponha sua perspectiva educadamente. Comentários anônimos não assinados ou desrespeitosos não serão publicados. Todo debate será bem-vindo!

Que Deus o abençoe!