sexta-feira, 15 de abril de 2011

O discipulado cristão e a Missão Pressuposicionalista

Sem dúvida, foi lamentável o fato de que os nossos “pensadores” cristãos, antes que a mudança se instalasse [a mudança do paradigma lógico para o dialético] e que o despenhadeiro fosse estabelecido, não tenham ensinado e pregado com base em uma clara compreensão das pressuposições. Tivessem eles agido assim, não teriam sido tomados de surpresa e poderiam ter ajudado os jovens a enfrentar suas dificuldades. Mas a maior ironia de tudo isso é o fato de que, mesmo agora, anos depois de a mudança se completar, muitos cristãos ainda não sabem o que está acontecendo. E isso se deve ao simples fato de que continuam não sendo instruídos acerca da importância de pensar em termos de pressuposições, especialmente no que diz respeito à verdade.

O texto supracitado é de um dos grandes apologistas reformados que o século XX conheceu: Francis Schaeffer[1]. E o tomo emprestado aqui porque penso que ele resume e justifica muito bem a proposta implícita no título deste post. É simples, meus caros: Jesus nos chamou não apenas para sermos, mas também para fazermos discípulos. Como? Indo e pregando o evangelho (Mc 16.15; Mt 28.18-20). Foi este o meio ordinário, a “metodologia” que Deus escolheu para arrebanhar os seus eleitos. Do “ide” deduzimos que o cristão deve negar-se a si mesmo (sim, nossa natureza carnal e preguiçosa não quer ir nunca) e obedecer ao imperativo divino; do “pregai”, que ele deve, como arauto que é, anunciar somente aquilo que recebeu do seu Senhor (cf. 1 Co 11.23); e do “fazei” que, de certa forma, este mesmo arauto deve estabelecer de uma vez por todas, para quem o ouvir, as condições e implicações da mensagem que ele está anunciando. Isso fará com que as pessoas percebam que a mensagem que está sendo anunciada se alicerça não apenas na experiência de quem a vive, mas sobretudo na razão de ser da própria mensagem em si, que é lógica e verdadeira por si só – pois, como diria Calvino, “a verdade está livre de toda dúvida, visto que, sem nenhuma ajuda, ela é suficiente para manter-se”. Isso me leva a crer, portanto, que a única razão realmente válida para alguém se tornar cristão é que o Cristianismo é a Verdade; que está ancorado num alicerce racional, não apenas experimental; e que perto dele as outras “verdades” são reduzidas a nada.

Isto posto, entendo que não há como comunicar fiel e verdadeiramente o evangelho sem que haja confronto, visto que o arauto deve ser fiel tanto no sentido de pregar somente aquilo que recebeu quanto no sentido de anunciar “todo o desígnio de Deus” (At 20.27), sem se envergonhar disso (cf. Rm 1.16). Ou seja: nada ele adultera; nada ele omite. O arauto deve saber que o erro precisa ser demolido e esfarelado, não tolerado. Se é Deus mesmo quem diz que sua Palavra é o “martelo que esmiúça a penha” (Jr 23.29), seus servos não tem o direto de usá-la em uma guerra de travesseiros idiota contra os escarnecedores. Definitivamente, não há a mínima possibilidade de negociação entre a mente perfeita de um Deus santo e a mente decaída de um homem falido. Só uma das duas pode ser verdadeira, visto que mutuamente se excluem. Para o apóstolo Paulo, “seja Deus verdadeiro, e mentiroso todo homem” (Rm 3.4). A essa forma “beligerante” de apologética damos o nome de pressuposicionalismo. Partindo do pressuposto de que “a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35), o cristão primeiramente ataca e destrói as falsas pressuposições que estruturam o pensamento dos incrédulos para depois lhes apresentar o Evangelho como a única “verdade verdadeira” – portanto, a única esperança –, como faziam os apóstolos (cf. At 17.16-34) e o próprio Jesus (Mt 21.23-27; Lc 10.25-37). Aliás, o próprio Deus age isso também, demolindo a estrutura de pensamento das criaturas finitas. Jó é quem nos garante: “Ele apanha os sábios na sua própria astúcia” (Jó 5.13).

Mas infelizmente, como Schaeffer já se antecipou em apontar, muitos crentes hoje já não sabem mais por onde começar; estão confusos, mesmo tendo provas suficientes de que o mundo em que vivemos está mergulhado num terrível caos de ordem intelectual, moral e espiritual. Isso deveria fazer com que eles se engajassem naquilo que eu chamaria de Missão Pressuposicionalista, mas não é isso o que acontece. Não me admira o fato de que muitos estejam comprometidos com a agenda do relativismo, do politicamente correto, da tolerância. Não me admira o fato de que eles queiram “paz”, e não guerra. Mas eles esquecem de que foram arregimentados para a guerra; a maior das guerras: a guerra pela Verdade. Mas o fato é que muitos ainda não se deram conta disso. Como bem disse o profeta Jeremias, eles “curam superficialmente a ferida do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz” (Jr 6.14). É por essas e outras que eu não consigo aceitar que tantos que dizem amar a Verdade sejam tão apáticos e omissos em defendê-la. Se estão mesmo sentados aos pés de Cristo, deveriam ao menos perceber quando Lhe ferem o calcanhar! Mas nem isso fazem. Parecem mais os discípulos no Getsêmani: dorminhocos, fracos, de “olhos pesados”; incapazes de observar que “o traidor se aproxima” (Mt 26.36-46). Não deve ser essa a postura daqueles que são santificados pela Palavra da verdade (cf. Jo 17.17).

Como cristãos que amam a verdade acima de todas as coisas, devemos estar preparados não apenas para falar do amor de Deus, mas para explicar porque esse amor é verdadeiro. Quando alguém nos questiona o porquê da nossa fé e porque ele também deve crer em Cristo, devemos estar prontos não apenas para convocá-lo ao arrependimento, mas também para lhe mostrar de forma razoável a necessidade disso tudo. Até podemos nos despedir dos incrédulos deixando-lhes a impressão de que somos loucos, é verdade (uma vez que a pregação é mesmo loucura para os que se perdem), mas não podemos usar isso como uma desculpa para a nossa preguiça intelectual. Deus não nos chamou para sermos suicidas intelectuais – para “cortar o galho em que estamos sentados” –, mas para santificar a Cristo como Senhor em nosso coração, “estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos pedir a razão da esperança que há em vós” (1 Pe 3.15). Agindo dessa maneira, estaremos agradando Àquele que nos confiou a sublime missão de levar a Sua liberdade aos cativos.

“Estai, pois, firmes, cingindo-vos com a verdade e vestindo-vos da couraça da justiça. Calçai os pés com a preparação do evangelho da paz; embraçando sempre o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do Maligno. Tomai também o capacete da salvação e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus” (Ef 5.14-17).

A Armadura está aí. Cabe a cada um de nós, soldados-discípulos, vesti-la e nos engajarmos no combate. A “Missão Pressuposicionalista” nos espera. Avante, pois!

Soli Deo Gloria!

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[1] SCHAEFFER, Francis. O Deus que intervém. Cultura Cristã, 2002. p. 24.

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1 comentários:

Esli Soares disse...

Leo,

Muito bom esse texto...

Concordo em gênero, número e grau, temos mesmo que ser mais corajosos, atuantes e atrevidos.

Claro, que nosso momento não é o de pegar armas e atirar em adolescentes, que por serem virgens deve morrer para não se contaminar com esse mundo cão, ou por não serem virgens (ou promíscuos, degenerados, efeminados, homossexuais ou qualquer outro pecador) devem morrer, por serem os (únicos) culpados pelo estado lastimável do mundo.

Não somos juízes (isso é, quem declara a sentença, talvez o melhor termo para isso seja júri), muito menos algozes; não fomos comissionados a separar o joio do trigo; não é nossa função restaurar o Reino.

A nossa demanda é a do anúncio da verdadeira vida, que se encontra em Jesus Cristo, aquele judeu palestino, morto na cruz, que ressuscitou e vivo está, que embora tenha comido, bebido, sentido frio e fome, medo e angustia era o único Deus, o Criador... qual mesmo é a lógica dessa história? ...Ah, como Deus humilha os sábios e os poderosos!

Em Cristo, firme em seu amor pela certeza da sua palavra.

Esli Soares

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