sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Ezequiel 27 e a economia de livre mercado

Dentre todos os textos bíblicos, o capítulo 27 de Ezequiel talvez seja o que melhor exemplifique o funcionamento básico da economia de livre mercado e a benção que ela é (ao contrário do intervencionismo estatal). Apesar de o texto sagrado não ser prescritivo, mas descritivo, há ensinamentos valiosos a serem colhidos. E o que temos ali? Temos uma grande potência, que é Tiro, uma cidade "que habita nas entradas do mar, e negocia com os povos em muitas ilhas" (v. 3) e cuja força estava produção de mercadorias de muito valor para a época [1], as quais certamente eram objeto de cobiça entre as nações. "Quando as tuas mercadorias saiam pelos mares, fartaste a muitos povos; com a multidão das tuas riquezas e do teu negócio, enriqueceste os reis da terra", diz o verso 33. Temos também os seus diversos parceiros comerciais, os quais contribuíram para que aquela distinta cidade gozasse de todo aquele glamour. "No coração dos mares estão os teus termos; os que te edificaram aperfeiçoaram a tua formosura", diz o verso 4. De acordo com o profeta Isaías, Tiro tinha os "negociantes mais nobres da terra" (Is 23.8).

Não fosse as outras nações, porém, Tiro não teria sido lá grande coisa: seus navios não teriam os bancos feitos de marfim engastado e nem a vela feita de linho fino bordado (v. 6 e 7); não teria também os aromas finos (v. 22) e os tapetes coloridos (v. 23), pois tudo isso era importado (inclusive os homens que compunham o seu exército - v. 10). Tivesse, por exemplo, declarado guerra às outras nações, ela nunca poderia ter sido o que o texto diz que ela era. Ora, se o país X é farto em A mas escasso em B, e o país Y é farto em B mas escasso em A, nada mais sensato do que eles se ajudarem caso queriam sobreviver. O livre mercado, pois, é um dos meios que Deus instituiu para que os homens mantivessem o mínimo de comunhão entre entre si, cada um reconhecendo que precisa do outro, evitando, com isso, guerras e outras calamidades. Se as obras da Providência são a "mui santa, sábia e poderosa maneira [de Deus] preservar e governar todas as suas criaturas e todas as suas ações, para a sua própria glória", conforme nos ensina o Catecismo Maior de Westminster (Q 18), então podemos seguramente incluir a economia de livre mercado como sendo parte dessas obras [2].

Logo, é evidente que a Escritura não condena uma pessoa somente porque ela tem habilidades para a atividade comercial e prospera na vida por isso. Pelo contrário. Ainda em Ezequiel, no capítulo 28, versos 3 a 5, o rei de Tiro é até elogiado por sua destreza:

Eis que tu és mais sábio que Daniel; e não há segredo algum que se possa esconder de ti. Pela tua sabedoria e pelo teu entendimento alcançaste para ti riquezas, e adquiriste ouro e prata nos teus tesouros. Pela extensão da tua sabedoria no teu comércio aumentaste as tuas riquezas.

A despeito de tudo isso, a queda de Tiro não tardaria (Ez 27.1-2; 27-36). Mas ela não se deu por conta da sabedoria do seu rei aplicada às relações comerciais, mas pela sua falta de temor ao Senhor, que é onde a verdadeira sabedoria começa (cf. Pv 9.10). O rei de Tiro estava usurpando a glória de Deus. "Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento no meio dos mares”, dizia ele (Ez 28.3). Então Deus sentencia: "Acaso dirás ainda diante daquele que te matar: Eu sou Deus? Mas tu és homem, e não Deus, na mão do que te traspassa. Da morte dos incircuncisos morrerás, por mão de estrangeiros, porque eu o falei, diz o Senhor Deus" (Ez 28.9-10). E por quê? Isaías explica: "O Senhor dos Exércitos formou este desígnio [sobre Tiro] para denegrir a soberba de toda a glória, e envilecer os mais nobres da terra" (Is 23.9). Seja ela moral, espiritual ou mesmo financeira, "a soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda", como já alertava Salomão (Pv 16.18). É preciso saber lidar com as bênçãos de Deus, senão elas se nos tornam em maldição - não pelo seu valor intrínseco, mas por nossa própria incompetência em administrá-las.

Usufrua do livre mercado - é benção. Clame menos por intervenção do Estado - ele não foi constituído para tal. Não faça do livre mercado (nem da prosperidade que ele proporciona) o seu deus. Não faça do Estado o seu deus.

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[1] Segundo consta no Wikipédia, "a cidade de Tiro foi particularmente conhecida pela produção de um tipo de tinta púrpura bastante raro. Esta cor era reservada, em muitas culturas dos tempos antigos, para a realeza ou nobreza".

[2] É bem verdade que a economia de livre mercado seja incapaz de por si só erradicar toda a pobreza do mundo, mas pelo menos ela não vive prometendo isso, como o fazem os comunistas e as esquerdas de modo geral. A propósito, a única "igualdade" que o comunismo distribuiu (e continua distribuindo) pelo mundo foi a miséria, o que é fato para além de toda contestação.

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2 comentários:

Unknown disse...

Boa tarde Leonardo! Gostei muito do texto, porém, gostaria de saber se você teria sugestões de literaturas sobre a relação da teologia reformada e política? Conheço muitos cristãos que estão encantados com a ideologia marxista e queria ter mais fundamentos para desconstruir essa perspectiva. Um abraço em Cristo!

Pr. Marco Antônio

Leonardo Bruno Galdino disse...

Olá, Marco!

Bom, há uma lista feita pela Norma Braga, a qual eu vi que você já deu uma conferida: http://normabraga.blogspot.com.br/2013/08/lista-de-livros-marxismo-cultural.html

Há também uma lista dos "Cinco documentários para entender o mundo", feita pelo Alexandre Borges, que é simplesmente imperdível. Está aqui: http://www.feedbackmag.com.br/cinco-documentarios-para-entender-o-mundo/
Destaque para o último documentário da lista, o The Agenda. Talvez seja o melhor resumo sobre o marxismo cultural já feito.

Eu mesmo estou caminhando nessas leituras. Ainda há muito pela frente.

Forte abraço, irmão!
Leo.

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