Por Carl Trueman
Muitos leitores deste blog ficarão felizes
por não terem se apercebido de uma tempestade que irrompeu recentemente entre
os protestantes conservadores a respeito da doutrina da Trindade. Aos
interessados nos detalhes, o site Christianity
Today apresenta um bom relatório das discussões aqui.
À medida que a poeira baixa, fica evidente que alguns teólogos evangélicos
influentes vêm, por décadas, advogando uma visão da Trindade que radicalmente
subordina o Filho ao Pai na eternidade e, muitas vezes, rejeita a ideia da
geração eterna. Eles usaram esta doutrina revisada de Deus para defender a
subordinação das mulheres aos homens no presente de uma maneira que, em algumas
ocasiões, tem tido consequências
pastorais terríveis.
O que este debate recente tem
revelado é que o protestantismo conservador está fundamentalmente dividido acerca
da identidade de Deus. Alguns protestantes conservadores são fiéis à doutrina ecumênica
da Trindade conforme expressa no Credo de 381; outros desejam usar a retórica
nicena, mas na verdade sustentam posições que se opõem ao Credo. As reações a
esta revelação têm variado: vão do compromisso sério e construtivo à
perplexidade de que ninguém atribuiria alguma importância a uma doutrina
complicada como a Trindade. Quais são, então, as implicações?
Parece claro que a ala evangelical
do protestantismo conservador tem sido edificada sobre uma miragem teológica. Geralmente,
o evangelicalismo se concentra no biblicismo e na salvação como dois de seus
maiores fundamentos e considera que eles transcendem os limites
denominacionais, apontando para uma unidade mais profunda. Mas agora está evidente
que, qualquer que seja a concordância que possa haver sobre essas questões, existe
uma ruptura mais fundamental sobre a própria identidade de Deus. Isso, consequentemente,
aponta para uma série de outras discordâncias implícitas sobre, por exemplo,
hermenêutica, o papel dos credos e confissões, a importância e significado da
história e a utilidade das categorias teológicas clássicas.
A consequência da falha passada em enfatizar
esta discordância básica acerca da Trindade é que todas essas questões
concomitantes têm sido desviadas para as margens do discurso evangelical. Além
do mais, a doutrina da salvação tem sido dissociada da doutrina de Deus e
priorizada sobre ela de uma maneira que é teologicamente desastrosa e
inconsistente com a história da ortodoxia. Ela também tem, como Christopher Cleveland
observou,
marginalizado e até mesmo abolido as próprias categorias que a igreja
desenvolveu para a transmissão da ortodoxia de geração em geração.
Mas talvez, agora que essa situação
está clara, possamos aguardar por novas e construtivas abordagens para a vida e
teologia protestantes. Talvez seja o momento para aqueles protestantes que divergem
a respeito desta mais fundamental e distintiva das doutrinas cristãs encararem
as implicações e amigavelmente seguirem seus caminhos em separado. O
evangelicalismo, do jeito que está construído hoje, devia ser demolido, porquanto
há muito pouco conteúdo teológico que o mantém coeso. Seus diversos membros
constituintes podem encontrar novos padrões de diálogo e cobeligerantes
eclesiásticos. Nesse espírito, ofereço uma proposta ecumênica e algumas
questões ecumênicas (para as quais não tenho respostas nesse momento, mas que
acredito que devem, contudo, ser levantadas).
Em primeiro lugar, a proposta
ecumênica. Os protestantes confessionais – aqueles cujas igrejas explicitamente
adotam uma das grandes confissões protestantes dos séculos dezesseis ou
dezessete e que avaliam as formulações ortodoxas clássicas como sendo fiéis à
Escritura – deviam concentrar sua atividade ecumênica em dialogar e trabalhar
com aquelas denominações que compartilham de seus compromissos mais básicos,
especialmente para com a identidade trinitariana nicena de Deus.
No início deste ano, eu era o palestrante
reformado solitário numa conferência da Lutheran Church-Missouri Synod (LCMS). Apesar
das nossas diferenças, foi bom estar em um ajuntamento onde não somente a
Bíblia, mas também a história, os distintivos denominacionais e o Credo eram
estimados; onde a liturgia refletia a seriedade da mensagem do evangelho; onde
os representantes pensavam confessionalmente; e onde falávamos a mesma
linguagem teológica e eclesiástica. No momento, também estou trabalhando em um
livro com o amigo e teólogo da LCMS Bob Kolb, apresentando os pontos em que
luteranos e reformados concordam e divergem, sem banalizar as diferenças. Tal engajamento
é possível precisamente porque Bob e eu estamos radicados em uma fé católica
comum. O diálogo confessional reformado com luteranos confessionais pode, não
obstante, produzir muito fruto, e ele certamente possui validade histórica e
teológica.
Este princípio, naturalmente,
aplica-se não apenas ao diálogo reformado-luterano. Lá fora, há outros grupos
que também subscrevem as confissões puro-sangue da Reforma. Nós, reformados e
presbiterianos, talvez devêssemos, neste momento, mostrar algum amor aos
Batistas de 1689. De todos os grupos protestantes, foram eles os que mais
contribuíram para a doutrina de Deus ao longo dos últimos anos e nos deram
alguns dos melhores
subsídios
protestantes sobre a teologia apropriada.
Em segundo lugar, as questões
ecumênicas. Que importância há no fato de eu me encontrar, como um trinitariano
niceno, compartilhando um credo comum com católicos romanos nesse quesito, ainda
que discordando de muitos evangélicos? E por que, em alguns grupos evangélicos,
constitui-se traição subscrever qualquer documento teológico com um católico
romano com quem os protestantes ortodoxos concordam acerca de Nicéia, ao passo
que é absolutamente aceitável mobilizar-se “pelo evangelho” com outros
evangélicos que discordam acerca do fator mais básico de todos – quem Deus
realmente é?
Só para esclarecer: faço essas
indagações não para promover uma agenda ecumênica secreta, mas porque estou sinceramente
incerto das respostas; e estarei retornando a elas de vez em quando no futuro.
Mas o que parece claro para mim é que os protestantes confessionais precisam
pensar longamente e com empenho acerca de suas conexões com o evangelicalismo,
concebido aqui de forma ampla. Existem outras opções melhores lá fora. Por
exemplo, a catolicidade reformada, do tipo que está sendo delineado por Scott
Swain e Michael Allen, parece mais ponderada, ter mais integridade
teológica e histórica e sugerir abordagens potencialmente mais frutíferas de compromisso
eclesiástico do que faz o nosso atual evangelicalismo inclusivo.
À luz das últimas semanas, o
movimento conservador evangelical americano como um todo foi exposto como
teologicamente fraco em sua doutrina e historicamente excêntrico em suas
prioridades. Conforme a guerra de palavras arrefece, a paz subsequente deve
trazer, com ela, consequências ecumênicas. Ela não pode envolver simplesmente
dissertações sobre as rupturas óbvias a fim de retornar ao evangelho de sempre.
***
Fonte: First
Things.
Tradução de Leonardo Bruno
Galdino.
0 comentários:
Postar um comentário
Muito obrigado por comentar as postagens. Suas opiniões, observações e críticas em muito nos ajuda a buscar a qualidade teológica naquilo que escrevemos. Se for de opinião contrária, não ofenda - exponha sua perspectiva educadamente. Comentários anônimos não assinados ou desrespeitosos não serão publicados. Todo debate será bem-vindo!
Que Deus o abençoe!