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Caro Beltrão (*),
Seu e-mail me deixou muito preocupado, e faço questão de começar logo nesse tom para que você perceba a seriedade que o assunto encerra. Você bem sabe que tentar tapar o sol com a peneira não é do meu feitio. Portanto, não espere apenas leves chuviscos, mas prepare-se também para estrondosas trovoadas.
Quando nos reencontramos pela última vez fiquei sobremodo alegre em ver teu entusiasmo e empenho no estudo das Escrituras e da sã doutrina. Mesmo sendo ainda muito jovem, você já despontava na igreja como um exemplo a ser seguido. Em meu íntimo eu dava graças a Deus por existirem pessoas assim como você em nosso meio, sedentas por reforma e reavivamento espirituais. Mas ao mesmo tempo isso me gerava apreensão, e simultaneamente eu também orava a Deus para que sua história não tomasse o curso de tantas outras que terminaram em tragédia, a saber, a de jovens que, de tanto se encher de teologia, acabaram se esvaziando de Deus. Escrevo-te com o coração apertado, meu caro, lembrando momentos de minha própria trajetória, e dos perigos que ainda teimam em rondar por aqui.
Você me disse que, de uns tempos pra cá, tem sido atormentado por uma tristeza e certo desânimo decorrentes, vamos dizer assim, da “falta de experiências com Deus”. Penso que você esteja se referindo não àquele tipo de experiência mística tão comum nos círculos sensacionalistas da “fé”, mas à genuína comunhão espiritual ensinada nas Escrituras. Você cita uma pregação do Paul Washer (“Você é amado”), na qual ele diz que Deus por um tempo se afasta de jovens ministros a ponto de eles passarem por vários fracassos até chegarem ao momento de declararem o que Pedro diz em João 6:69, para dizer que se sente inseguro de se colocar na mesma posição deles. Ou seja, você parece duvidar que há um propósito corretivo de Deus por trás de tudo isso que você está passando, e o fato de você pensar assim é realmente preocupante. Sei que você até pode ter dito isto como que um desabafo, mas não é bom que fiquemos alimentando coisas desse tipo em nossas mentes, pois do contrário chegará o dia em que estas coisas solaparão de tal forma aquilo que nos convêm pensar (cf. Fp 4.8) que não nos restará mais nenhuma fagulha de esperança ou fé nas quais possamos buscar apoio. Não devemos dar lugar para que o diabo semeie incredulidade em nossos corações!
Mas você foi bem específico em uma coisa: você disse que as coisas pioraram depois de uma pregação sua em que você falou “algumas palavras fortes” à igreja. É muito comum jovens como nós se encantarem com os livros que lemos ou com as pregações que ouvimos, ainda mais quando as mesmas são “bombásticas” ou “chocantes”. “Nossa igreja precisa refletir nisso!” – é o que geralmente exclamamos. Mas o problema é quando começamos a nos enquadrar perfeitamente no tipo de pessoa criticada por nossos pregadores e escritores favoritos. E o pior de tudo é quando os pregadores somos nós! Agora entendo perfeitamente porque você se sente como um copo pela metade – cheio e vazio ao mesmo tempo, e do seu medo de ser “vomitado” por Deus, que detesta os mornos (cf. Ap 3.16). Essa sua preocupação é, de fato, legítima. Mas sabe o que é pior ainda, Beltrão? É quando, depois de pregarmos (ou até mesmo antes!), voltamos exatamente para a mesma lama à qual tanto advertimos nossos ouvintes para que saíssem. É como se a Palavra não surtisse nenhum efeito sobre nós, fazendo com que nos sintamos como os “decepcionados do Último Dia”, que ouvirão do próprio Cristo: “apartai-vos de mim, malditos!” (Mt 25.41-46).
Você também fala que está sendo “severamente tentado”. Bem, há diversas áreas em que um homem (independente se jovem ou não) pode ser tentado, mas penso que a maior delas seja a área sexual. Se não é bem a isto que você esteja se referindo, desculpe-me, mas permita-me tecer alguns comentários a respeito. Jaime Kemp costuma dizer que o homem enfrenta três grandes “barras” em sua vida (ou seja, três grandes tentações): a “barra” de ouro (dinheiro); a São João da Barra (uma marca de cachaça – álcool); e a “barra” de uma saia (a libido, ou o sexo). Novamente, penso que esta última seja a que mais nos incomoda, e acho que nem preciso provar isto. Sinceramente, Beltrão: não alimente esse tipo de coisa (falo da libido pecaminosa), porque é algo que vicia tanto que seus vestígios ainda permanecem na memória. Estamos lidando com algo realmente terrível – não brinque com isso; não teste a si mesmo.
De fato, toda essa série de coisas faz com que não sintamos mais aquela alegria espiritual que tanto marcou o início de nossa caminhada. Passamos a orar menos, nos alimentar menos da Palavra, e a adorar menos. Consequentemente, ficamos menos felizes, menos sábios (embora “mais” inteligentes) e menos próximos de Deus. É possível reverter isso?
Há uma passagem na Escritura que revela e muito como Deus nos molda à Sua vontade. É sobre quando Jesus avisou a Pedro que este o negaria. Mateus, Marcos e João descrevem apenas o aviso propriamente dito (Mt 26.31-35; Mc 14.27-31; Jo 13.36-38). Mas Lucas nos dá um “detalhezinho” interessantíssimo. Ele não apenas relata Jesus avisando a Pedro sobre sua negação, mas também revelando àquele pescador o que estava acontecendo nos bastidores da História:
Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como trigo! Eu, porém, roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; tu, pois, quando te converteres, fortalece os teus irmãos (Lc 22.31, 32).
Notou como são as coisas? Satanás fez com Pedro o mesmo que houvera feito com Jó. Ao contrário do que muita gente pensa, o objetivo do diabo não era o de testar a Pedro, e sim o de destruí-lo. Quem está provando a Pedro é o próprio Deus, que usou o diabo (Lutero dizia que o diabo é “o diabo de Deus”) como um instrumento para o aperfeiçoamento da fé do discípulo. Mas Pedro só não perdeu de vez a fé graças à intercessão de Cristo! Ele orou para que a fé do seu amado discípulo não se esvaísse, e ainda incumbiu-o com a missão de fortalecer a outros. Este foi o motivo pelo qual Pedro chorou amargamente após ter negado a Cristo, e não por remorso (igual a Judas Iscariotes), mas por arrepender-se verdadeiramente como Jesus havia predito. É o próprio Pedro quem vai dizer mais tarde que o diabo, nosso adversário, “anda em derredor, como leão que ruge procurando alguém para devorar”. Por este motivo é que ele nos recomenda sobriedade e vigilância (1Pe 5.8).
Beltrão. Você tem toda razão de estar “assustado” com essa situação. Mas não se desespere! Paul Washer está certo quando disse que Deus permite que jovens líderes passem por caminhos como o de Pedro com vistas ao próprio aperfeiçoamento deles. Às vezes somos exatamente igual ao impulsivo Simão Pedro: nos sentimos robustos, inabaláveis e “santos” demais, até que Deus dá uma “rasteira” em nosso ego, fazendo com que nos apoiemos única e exclusivamente em Seu poder. E Ele faz isto não por sadismo ou coisa parecida, mas por amor, pois ele disciplina a todos quantos ama, e somente a estes (Hb 12.6). Mas é necessário que haja arrependimento – mudança de mente e conduta. Deus nos disciplina, continua o escritor aos Hebreus, “para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade” (Hb 12.10). Não queira pagar para ver o que acontece com aqueles que fingem se arrepender. Deixe que os próprios exemplos da Bíblia e da história falem.
Espero não ter te desapontado, Beltrão. Pelo contrário, espero ter te ajudado. Nem tudo que falei acima se refere a você diretamente, mas procurei ser bem genérico, uma vez que seu caso é semelhante ao de muitos. Saiba que este que vos escreve também enfrenta as mesmas coisas que você. Às vezes penso que não há mais solução, que o pecado vai finalmente triunfar. Mas aí eu olho para a cruz. Ah, a cruz! Que seria de nós sem ela, ou melhor, sem Aquele que sobre ela padeceu, mas ressuscitou para nos assegurar a vitória final? Mas também não adianta ficar somente contemplando não – é preciso que oremos mais, que busquemos mais a Deus, que nos alimentemos mais da Sua Palavra e que desejemos mais e mais se parecer com Aquele que nos amou primeiro.
Trace seu próprio roteiro disciplinar. Pergunte a si mesmo do quê você mais precisa – se de bons livros de teologia ou de uma vida consagrada. Não que os livros sejam inúteis, óbvio que não! Mas que sua busca pela ortodoxia não ofusque sua busca pela ortopraxia.
Um grande abraço, e que Deus te ajude!
Att.
Leonardo.
Soli Deo Gloria!
P.S.: Para sua reflexão adicional, medite na canção abaixo (“Letra morta”, de Jorge Camargo):
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(*) Beltrão é um nome fictício.
2 comentários:
Excelente este blog. God bless You
Graça e paz,Bruno!
Gostaria que,se possível,você escrevesse um artigo com o tema "Como posso crer que Deus me ama?". É um tema bastante sugestivo que com certeza ajudará a muitos.
Atenciosamente,
Douglas.
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